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Paquistão teme mais ações unilaterais dos Estados Unidos

Carachi, Paquistão, 24/5/2011 – Especialistas em defesa do Paquistão alertaram que este país pode esperar por outro ataque unilateral dos Estados Unidos, semelhante ao lançado na localidade de Abbottabad no dia 2, quando foi morto o líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden. As advertências foram feitas logo após o presidente norte-americano, Barack Obama, afirmar na rede britânica BBC, no dia 22, antes de partir para sua viagem pela Europa, que suas forças não duvidariam em realizar uma operação semelhante se encontrarem outro objetivo de alto valor da Al Qaeda em território do Paquistão.

“Aconteceu e voltará a acontecer”, afirmou o veterano jornalista paquistanês Rahimullah Yusufzai, que disse não estar surpreso com as declarações de Obama. “Ele nunca descartou uma ação desse tipo, e muitos no governo dos Estados Unidos, incluindo Hillary Clinton (secretária de Estado), disseram o mesmo de diversas formas”, acrescentou.

Yusufzai e outros observadores em Carachi acreditam que o fato de Bin Laden ter se refugiado em Abbottabad foi uma confirmação do jogo duplo de Islamabad, que mantém vínculos com combatentes islâmicos e hospeda terroristas, incluindo membros da Al Qaeda, apesar de prometer apoio aos Estados Unidos. O diretor-geral da Agência Central de Inteligência (CIA), Leon Panetta, reconheceu que existiu o temor em Washington de que, se fossem avisados antes, os funcionários paquistaneses poderiam alertar Bin Laden da operação.

A desconfiança entre os dois paises aumentou, e a probabilidade de outros ataques unilaterais encobertos contra líderes da Al Qaeda ainda está presente, apesar das afirmações dos norte-americanos de que não se repetiriam ações semelhantes sem antes notificar Islamabad. Em uma forte declaração, a chancelaria paquistanesa disse, no dia 3, que a operação em Abbottabad “não podia ser tomada como regra”.

“Um acontecimento desse tipo não dever servir de precedente para nenhum país, incluindo os Estados Unidos. Ações como esta afetam a cooperação e podem, às vezes, constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais”, dizia o comunicado. “Suponho que não podemos esperar uma melhora nas relações enquanto não terminar a guerra contra o terrorismo que, no entanto, depende de quando Washington encontrar os que persegue”, afirmou o analista de defesa Ayesha Siddiqa.

Obama disse à BBC que, embora seu governo respeite a soberania do Paquistão, não poderia deixar de tomar ações contra pessoas que tiveram planos para matar cidadãos dos Estados Unidos ou de países aliados seus. “Não era nenhum segredo. Disse isso quando disputava a Presidência, que se tivesse um disparo seguro contra Bin Laden, dispararia”, ressaltou. Analistas de defesa disseram que se Washington lançar um ataque semelhante ao que matou Osama, o Paquistão não terá possibilidade de responder.

“Não podemos reagir”, disse o brigadeiro Asad Munir, ex-chefe de inteligência do Paquistão para as zonas tribais. “Não podemos lutar contra os Estados Unidos, mas, sem dúvida, podemos dizer-lhes que não podemos mais cooperar”, afirmou. Por sua vez, Yusufzai disse que “o exército nunca abaterá um helicóptero dos Estados Unidos, nem mesmo um avião não tripulado, pois causaria uma grande confrontação que não poderia enfrentar”.

Munir afirmou que as últimas declarações do governo Obama estavam avivando os sentimentos antinorte-americanos no Paquistão. Cada vez mais há desesperança e preocupação neste país. Analistas dizem que o governo perdeu credibilidade, bem como os militares, e que ambos enganam o povo há muito tempo.

“A população ficará muito irritada se ocorrer outro incidente”, disse Yusufzai, que afirmou não ver “uma luz real no fim do túnel”. E acrescentou que “se perdeu a fé nas instituições democráticas e a violência prosseguirá, o que pode, inclusive, terminar na derrubada do atual governo. As pessoas começam a crer que somente a violência pode trazer uma mudança”, ressaltou. Envolverde/IPS