Arquivo

Para africanas produtoras de arroz “a luta não tem fim”

Na África, as produtoras de arroz não têm na prática o direito a tecnologias como debulhadoras e ferramentas para desmatar. Foto: Wambi Michael/IPS
Na África, as produtoras de arroz não têm na prática o direito a tecnologias como debulhadoras e ferramentas para desmatar. Foto: Wambi Michael/IPS

 

Ndop, Camarões, 5/12/2013 – Anastasia Ngwakun, uma produtora de arroz africana da zona central de Camarões, há 20 anos cultiva da velha forma: apenas com ferramentas manuais. Mas ela sabe que se fosse homem poderia ter acesso a tecnologia moderna, que lhe pouparia esforço físico. “É um trabalho duro, especialmente para uma mulher. Planto e processo com recursos e ferramentas muito limitados ou nulos, ao contrário dos homens da minha aldeia, que podem obter facilmente crédito ou um trator”, afirmou Ngwakun à IPS. Ela trabalha em uma área de 1,5 hectare na aldeia de Bamunkumbit.

“As mulheres não têm direito à terra. Muitas vezes plantamos em terrenos cujos donos são homens, e eles decidem onde dispor de tratores, quais terras arar primeiro e quando cabe a nós mulheres arar, sempre depois deles”, acrescentou a agricultora. Ela tampouco pode usar a debulhadeira, que lhe economizaria a pesada tarefa de tirar as cascas à mão. A produção e o processamento seriam mais fáceis se contasse com debulhadeiras, ferramentas para desmatar e recipientes grandes para ferver até o dobro da quantidade de arroz do que os normais.

Ngwakun, como muitas produtoras de arroz africanas, não têm, de fato, direito a nada disso. Uma pesquisa do Centro do Arroz da África mostra que os produtores de arroz homens têm acesso maior e desproporcional a terras agrícolas, insumos, capital, equipamentos e conhecimento em comparação com as mulheres, que, no entanto, são a maioria dos que plantam arroz no continente.

Essas profundas diferenças entre produtores e produtoras se deve, em parte, a questões culturais e econômicas. Afiavi Agbhor-Noameshie, agrônoma social e especialista em gênero do Centro do Arroz da África, afirmou que há uma ausência flagrante de políticas de gênero. “As mulheres participam de todas as atividades do cultivo, desde as sementes até a comercialização, mas não são consideradas merecedoras das tecnologias disponíveis”, explicou à IPS.

A África é importadora de arroz e consome mais do que produz, mas há uma flagrante ausência de políticas de gênero no setor. Foto: Busani Bafana/IPS
A África é importadora de arroz e consome mais do que produz, mas há uma flagrante ausência de políticas de gênero no setor. Foto: Busani Bafana/IPS

 

“É preciso minimizar as tarefas mais duras da cadeia de valor do arroz, criando consciência” e fazendo com que os homens entendam “que quando falamos de gênero não estamos falando de como reunir as mulheres ou como trabalhar com elas, mas de igualdade de oportunidades”, ressaltou Afiavi. A África é grande importadora de arroz, pois consome mais do que produz. No ano passado, o continente gastou US$ 5 bilhões para importar 12 bilhões de toneladas desse alimento e produziu outros 12 bilhões de toneladas, segundo estatísticas do Centro do Arroz.

Agbhor-Noameshie, Abdoulaye Kabore e Michael Misiko, coautores do livro de referência Cumprindo a Promessa Arrozeira da África, sugerem que, apesar da participação ativa de homens e mulheres, a perspectiva de gênero não é considerada nem mesmo nas pesquisas. Deve-se consultar as mulheres para conseguir o desenvolvimento da agricultura do arroz na África, segundo Nathalie Me-Nsope, economista agrícola e especialista em gênero do Centro Global para os Sistemas Alimentares e as Inovações, da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos.

“Não podemos continuar falando ‘dos’ agricultores quando sabemos que as produtoras africanas não são um grupo homogêneo, porque enfrentam desafios específicos que limitam sua produção e capacidade de venda, que os homens não enfrentam”, enfatizou Me-Nsope à IPS. “Há sérias desigualdades de gênero no setor do arrozeiro e são necessários esforços específicos para abordar essas limitações criadas pelos papéis, pelas responsabilidades e pela divisão do trabalho, fazendo uma análise detalhada do que está ocorrendo”, acrescentou.

Cissé Peinda Gueye, produtora de arroz do Senegal, pensa que as pesquisas científicas deveriam ajudar o cultivo a deixar de ser uma carga e se converter em oportunidade, assim as mulheres poderiam equilibrar a agricultura com o cuidado de suas famílias. “A qualidade do arroz é importante tanto para os agricultores como para seus compradores. Os pesquisadores deveriam ajudar a melhorar a qualidade, para que as mulheres cumpram as expectativas do mercado para o qual vendem”, argumentou Gueye à IPS.

Ngwakun também pede mais recursos. “Eu seria uma agricultora feliz, como os homens, se tivesse o mesmo acesso que eles a melhores sementes para produzir mais e melhor arroz, que me permitisse ganhar mais dinheiro. mas, para uma mulher, a luta parece não ter fim”, resumiu. Envolverde/IPS