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Para ajudar o Afeganistão, menos ajuda

A vida diária em Cabul também depende da ajuda internacional. Foto: Giuliano Battiston/IPS

 

Cabul, Afeganistão, 18/7/2012 – Quando se pensa na assistência ao Afeganistão, o habitual é se concentrar na quantidade de dinheiro que a comunidade internacional oferece. Supõe-se que quanto maior for a soma e mais duradouro o compromisso menos riscos haverá de desestabilização neste país. Por esta razão que foram tão celebrados os US$ 16 bilhões prometidos para os próximos quatro anos por parte dos doadores reunidos em Tóquio no começo deste mês.

No entanto, essa ajuda pode não ser tão virtuosa como aparenta. A mensagem dada na capital japonesa, de forte apoio ao desenvolvimento econômico do Afeganistão, buscou tranquilizar todas as partes, preocupadas por a arrecadação do Estado afegão não bastar para cobrir as necessidades. A brecha de financiamento, “segundo o Banco Mundial, provavelmente será de 25% do PIB para o período 2021-2022, podendo ser mais alta em anos posteriores”, escreveu Thomas Ruttig, codiretor da independente Rede de Análises sobre o Afeganistão (AAN), com sede em Cabul.

Na conferência de doadores realizada em dezembro do ano passado, na cidade alemã de Bonn, o diretor do escritório para Oriente Médio e Ásia Central do Fundo Monetário Internacional, Masood Ahmad, estimou que “a retirada de tropas estrangeiras do Afeganistão (a partir de 2014) reduzirá o crescimento anual do PIB entre 2% e 3%, ou mais”. Além disso, “a sustentabilidade fiscal é um objetivo distante”, alertou.

Essas avaliações alimentam a ideia de que quanto mais compromissos financeiros houver por parte da comunidade internacional, melhor o Afeganistão irá. Mas o analista Antonio Giustozzi, especialista em Afeganistão, disse à IPS que, pelo contrário, uma leve redução da ajuda estrangeira poderia ser positiva, “porque colocaria o nível de gasto mais em linha com o que efetivamente pode ser absorvido pela sociedade afegã”.

Inclusive o Banco Mundial, em um informe divulgado em maio, reconheceu que um nível de ajuda mais “normal” apresentaria alguns riscos, mas também “oportunidades para que o Afeganistão faça uma transição para uma economia mais estável, autossuficiente e sustentável”.

Giustozzi assegurou que a sociedade e o Estado afegãos se ataram a “uma forma de patrocínio que gera dependência e não estimula o desenvolvimento”. A terapia agora deve ser a desintoxicação gradual, afirmou, e o nível de ajuda deve “baixar, ainda que levemente”. Por seu lado, o Banco Mundial disse que “os doadores precisam reduzir gradualmente os futuros fluxos de ajuda para evitar grandes transtornos”.

O governo afegão deve buscar formas de “gastar menos, e melhor”, destacou Giustozzi. O presidente Hamid Karzai deveria, também, realizar reformas de governo e acabar com a corrupção, como recomendou a conferência de Tóquio. No entanto, não será fácil. “A corrupção não é apenas um pouco de areia na máquina, mas é sistêmica. A política está construída em grande parte sobre um sistema de corrupção e clientelismo”, afirmou.

Um telegrama diplomático da embaixada dos Estados Unidos em Cabul, que vazou em 2009, alertava que os chamados para levar à justiça altas figuras do governo afegão por corrupção “implicavam um sério dilema”. Sendo seguidos, “afetaria alguns dos familiares e aliados mais próximos de Karzai, e obrigaria a processar algumas pessoas das quais geralmente dependemos para a assistência e o apoio”, dizia o telegrama.

De todo modo, os doadores reunidos em Tóquio renovaram sua exortação ao governo afegão para que procure ter maior transparência. Alguns afegãos dizem que a própria comunidade internacional está em falta por subordinar a meta de longo prazo da construção do Estado ao interesse de curto prazo da sobrevivência política do governo de Kazai.

Embora estejam nominalmente destinadas à consolidação das instituições, as ferramentas da assistência internacional são guiadas por considerações de curto prazo e conveniência política, e “demonstraram ser muito destrutivas”, afirmou a codiretora e cofundadora da AAN, Martine van Bijlert. Assim escreve ela na introdução da análise Instantâneos de uma Intervenção. As Lições não Aprendidas de uma Década de Assistência ao Afeganistão, 2001-2011.

O plano “Para a autossuficiência”, promovido pela comunidade internacional e apoiado pelo governo afegão, se baseia na mesma contradição: o chamado para que o Estado do Afeganistão recupere sua soberania e autonomia é feito justamente por aqueles que são o obstáculo. A presença de exércitos estrangeiros “é um dos principais elementos que impedem que o Estado, o sistema político e a elite governante ganhem plena legitimidade”, opinou Giustozzi à IPS. “Qualquer governo que depende do apoio externo para permanecer no poder carece de legitimidade”, ressaltou.  Envolverde/IPS