A escassa oferta de produtos financeiros para grupos de rendas média ou baixa não é um fenômeno brasileiro, nem mesmo exclusivo de países em desenvolvimento. O acesso a oportunidades de investimento mais atraentes é limitado a detentores de certo mínimo de riqueza financeira.
Igualmente, o acesso a crédito também é racionado para tomadores, pessoas físicas ou jurídicas, que exibam características que os torne de alguma forma indesejáveis para as instituições financeiras.
O racionamento pode atingir não apenas os grupos mais obviamente segregados, como famílias pobres ou desprovidas de ativos para oferecer em garantia, como também casos menos autoevidentes, em que a simples residência em certas áreas geográficas, como por exemplo, guetos urbanos, favelas, etc., é motivo suficiente para recusa de crédito.
Esse fenômeno de segregação pode ser superado pela intervenção de reguladores. A relativa normalização da oferta de serviços financeiros em guetos urbanos pode ser obtida com o desenvolvimento de uma lei de reinvestimento comunitário, pelo qual os bancos que solicitarem autorização para operações, como fusões e aquisições, devem demonstrar que não segregam esses grupos sociais. É importante ressaltar que não se trata de conceder aos grupos prejudicados nenhum favor especial. Os bancos devem certificar que tratam os clientes com essas características como “normais”, sujeitos aos mesmos critérios de seleção que os demais clientes.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises e Econômicas (Ibase), mostrou que o fenômeno de segregação é extremamente forte no mercado de trabalho no Rio de Janeiro, e não há qualquer razão para se supor que ele não se repita em todo o país.
Indivíduos em busca de emprego declaram locais fictícios de residência quando seu domicílio se localiza em uma favela porque a informação correta implicaria imediata desqualificação da candidatura a um emprego. Já com relação ao acesso a instituições financeiras, o fenômeno é conhecido também de longa data, tendo dado origem, em muitos locais, às iniciativas de cooperativas de oferta de microcrédito.
O fundamento da possível lei, na verdade, é o de que instituições financeiras em geral, e bancárias em particular, funcionam normalmente apoiadas em um volume enorme de subsídios públicos. Bancos contam com o Banco Central como provedor de liquidez em caso de emergência, privilégio que nenhum outro setor tem, haja vista a crise financeira atual, que tem ilustrado de forma dramática o quanto custam esses subsídios à sociedade.
A existência de seguros de depósitos permite a bancos não pagar qualquer taxa de juros sobre depósitos à vista, porque depositantes se contentam com a segurança associada aos depósitos, que, por sua vez, não depende do banco ser ou não competente, mas simplesmente do fato de o setor público garantir, direta ou indiretamente, esses depósitos.
Em outras palavras, bancos são empresas que funcionam cercadas de subsídios dados pelo setor público e, por isso mesmo, devem pagar por esses subsídios por meio do fornecimento de serviços especiais ao cliente, por isso, a propositura de uma lei que crie regras que coíbam a discriminação de grupos sociais marcados por alguma característica vista como negativa pelo setor financeiro é um passo fundamental.
Mas não é apenas o acesso ao crédito, por mais importante que este esteja, que é necessário promover. Investidores de rendas média e média-baixa também deveriam poder compartilhar retornos dos investimentos em uma nova fase de crescimento mais rápido da economia. No momento, praticamente a única oportunidade de aplicação acessível a esses grupos é a caderneta de poupança. O rendimento dessa aplicação está longe de ser desprezível, mas no caso de uma ampliação do crescimento econômico, não há porque impedir que investidores desse grupo possam alocar parte de seus recursos no financiamento do setor real.
A barreira maior para essa participação é o pouco conhecimento dessas oportunidades e de suas combinações de expectativa de retornos e riscos, por um lado, e, por outro, a exigência de valores mínimos de investimento para que instituições financeiras permitam a aplicação.
* Paulo Daniel é economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do blog Além de Economia.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.