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Para o bem ou para o mal: gás de xisto na África do Sul rústica

Os tranquilos povoados de Karoo poderão mudar para sempre com a exploração de gás de xisto. Foto: Gavin du Venage/IPS
Os tranquilos povoados de Karoo poderão mudar para sempre com a exploração de gás de xisto. Foto: Gavin du Venage/IPS

 

Karoo, África do Sul, 27/11/2013 – Para um transeunte casual, Petrus Kabaliso e sua mulher Cynthia oferecem uma imagem pitoresca, sentados com desajeitado guarda-chuva sobre suas cabeças e debaixo da sombra de uma palmeira no deserto de Karoo, na Província Setentrional do Cabo, na África do Sul. “Está muito difícil viver aqui”, disse à IPS Petrus, de 59 anos. “Procuramos metal velho, e às vezes os caminhões que param aqui deixam garrafas no lixo. Podemos trocar isso por dinheiro e comprar pap (mingau de milho) e açúcar”, contou.

Colesburgo é mais próspero do que muitos outros povoados da região. Os caminhões e automóveis que vão do campo para o litoral fazem escala nessa localidade. Os estabelecimentos que oferecem alojamento se multiplicam e anunciam vagas. Mas, como a maioria das localidades de Karoo, a mesma falta de perspectivas econômicas a mantém marginalizada dos projetos de desenvolvimento. Entretanto, tudo isso pode mudar. Há planos para explorar as potencialmente vastas reservas de gás de xisto mediante fratura hidráulica (fracking, em inglês).

Segundo um estudo financiado pela consultoria Econometrix, encomendado pela multinacional Shell, há disponíveis mais de 480 trilhões de pés cúbicos de gás. Para se ter uma ideia do que esse número representa, basta lembrar que a Mossgas (refinaria de liquefação de gás na costa sul do país) cobriu 5% das necessidades de combustíveis do país nos últimos 20 anos usando apenas um bilhão de pés cúbicos, segundo sua empresa operadora, a PetroSA. De acordo com a Econometrix, para explorar apenas 10% do gás seriam criados 700 mil novos empregos.

No entanto, esse plano desperta uma importante controvérsia, e grande parte do debate se centra em como poderia alterar o meio ambiente de Karoo, cerca de 400 mil quilômetros quadrados no centro da África do Sul que muitos acreditam deveria ser mantido sem explorar.

“Será melhor para nós”, segundo Ricardo Josephs, operador de uma firma que vende combustível na localidade de Graaf Reinette, a duas horas de Colesburgo. “Se forem criados empregos, meus amigos e minha família poderão voltar. Todos aqui perdemos pessoas que mudaram para a Cidade do Cabo ou Johannesburgo para trabalhar. Nossa gente está dispersa e não regressa”, argumentou à IPS. Josephs admite que a industrialização de Karoo poderia mudar sua natureza. “Será um problema para os ricos, para os ricos agricultores. Eles não querem que isso mude. Mas, para mim, e para as pessoas das ruas, significará mais emprego e melhores rendas”, afirmou.

Cerca de 63% dos habitantes de Karoo vivem na pobreza, segundo o professor Anthony Leiman, economista ambiental da Universidade da Cidade do Cabo. “A descoberta de gás é como voltar a descobrir ouro. Mudará profundamente o futuro do país”, declarou à IPS, lembrando que esses grandes recursos inevitavelmente modificarão a vida no Karoo.

Em Dakota do Norte, nos Estados Unidos, a descoberta de grandes reservas de gás transtornou drasticamente a vida de muitos pequenos povoados. Alguns viram sua população aumentar dez vezes com a chegada de trabalhadores do gás, o que também significou aumento de problemas sociais como abuso de drogas e prostituição.

Até agora, grande parte das críticas se concentram na possível contaminação ambiental, particularmente na escassa água subterrânea de Karoo. A técnica de fratura hidráulica implica a injeção de milhares de litros de água e substâncias químicas sob grande pressão, através de fissuras de até vários quilômetros abaixo da terra. Isso quebra a rocha e permite que o gás nela contido se precipite e seja levado para um poço central e, em seguida, à superfície.

Nos Estados Unidos, incidentes com poços mal preparados derivaram em contaminação subterrânea. Leiman minimiza essa ameaça. “A pobreza é um risco muito maior para o meio ambiente do que a fratura hidráulica”, opinou. Contudo, não é bem assim, responde o Grupo de Ação pelo Tesouro de Karoo (TKAG), principal organização de pressão contra a extração de gás de xisto. Essa organização alerta que vários efeitos de longo prazo, particularmente a contaminação da água, afetarão duramente os mais pobres.

São necessários mais de 20 milhões de litros de água para cada poço de fracking, segundo a TKAG, o que levará as companhias de gás a competirem com os moradores por esse recurso já escasso. Outro grande tema, segundo críticos do projeto, é a possível contaminação da camada freática. A água injetada nos poços subterrâneos está misturada com produtos químicos que ajudam o processo. Isso, segundo os opositores do projeto, pode contaminar as reservas hídricas.

Em outras partes do mundo a contaminação provocou doenças nos humanos e no gado, sobretudo pelas substâncias químicas BTEX, derivadas do petróleo e conhecidas por causar alterações endócrinas e câncer, segundo a TKAG. Em setembro, a ministra de Água e Assuntos Ambientais da África do Sul, Edna Molewa, disse que o fracking será uma “atividade controlada”, o que sugere que as empresas deverão solicitar uma licença a esse Ministério que, assim, procura controlar o uso da água na região.

Entretanto, para os críticos isso não é suficiente. A TKAG também alerta que o fracking pode provocar grandes mudanças sociais. Jeannie le Roux, diretora de operações desse grupo de pressão, lembra os casos de severas perturbações sociais causadas por essa técnica em áreas dos Estados Unidos ricas em gás de xisto. Com ela concorda Leiman. “O impacto social do auge econômico em um povoado traz muitos problemas”, pontuou Roux à IPS.

“E as vantagens que trazem não duram muito. A mineração é uma atividade de auge e queda. Quando termina o auge, a área fica com mão de obra excedente”, alertou Roux. Embora não haja dúvida de que serão gerados empregos, a ativista questiona os benefícios para as comunidades afetadas. “A história mostra que as riquezas da mineração raramente chegam aos cidadãos, e, quando os recursos acabam, todos partem, deixando um ambiente degradado no qual as comunidades locais têm de viver”, ressaltou.

Contudo, não necessariamente teria que ser desta maneira, afirma Chris Nissen, presidente do Fórum Comunitário de Karoo para o Gás de Xisto, criado para representar os pobres da região no debate. A organização foi criada há um ano para se contrapor à “voz dos ricos” que estão combatendo o desenvolvimento da região, explicou Nissen à IPS. Ele acredita que uma rígida aplicação das leis ambientais pode proteger a área, e um adequado planejamento da chegada de trabalhadores poderia evitar muitos problemas. “Karoo é bonito, mas também é um lugar muito triste. No inverno se vê as crianças indo à escola sem sapatos, pisando no gelo”, destacou. Envolverde/IPS