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Para os tanzanianos algo se esconde no Lago Nyasa

As comunidades vizinhas ao Lago Nyasa, ou Malawi, não compreendem do que se trata a questão entre Tanzânia e Malawi. Foto: platours flickr/CC-BY-2.0

 

Arusha, Tanzânia, 13/3/2012 – A comunidade tanzaniana que vive perto do Lago Nyasa não entende nada do conflito entre seu país e Malawi, nem o que está em jogo. Contudo, deseja que os esforços de mediação por sua soberania comecem logo. O tranquilo lago, de 29 mil quilômetros quadrados, é um centro turístico e fonte de renda e de alimentos para a população local.

Porém, em julho de 2012 foi descoberto que o lugar também pode ser uma fonte lucrativa de gás e petróleo, e isso reavivou uma disputa entre os países vizinhos pela propriedade do Nyasa. De Malawi, se reclama a total soberania sobre o que denominam Lago de Malawi, que se estende ao longo de sua fronteira com Moçambique e Tanzânia. Este último, por sua vez, afirma que 50% do lago está em seu território.

Na região de Mbeya, sudoeste da Tanzânia, os membros de uma comunidade ribeirinha lacustre trabalham para aprender seus direitos sobre o lago, apoiados pela organização não governamental Haki Ardhi, também conhecida como Instituto de Recursos e Investigação sobre os Direitos da Terra.

“Coincidimos que não estamos de acordo com Malawi sobre este ponto, mas estas comunidades dependem totalmente da pesca e do lago para sua sobrevivência”, explicou à IPS o assistente de programa da organização, Saad Ayoub. “Não houve nenhuma consulta sobre quais benefícios teremos no caso de haver petróleo. O que ganharemos? A questão da terra é nova para nós, não temos experiência”, acrescentou.

Em grande parte, os moradores locais concordam com ele. Richard Kilumbo, morador no distrito ribeirinho de Kyela, disse à IPS que não entende as razões da disputa. “Temos familiares em Mzuzu, no Malawi, e tivemos um casamento no ano passado. Estamos surpresos e com medo de ver que nos preparamos para uma guerra com nossos vizinhos”, lamentou. “Não sabemos por que isto é tão importante para nossos líderes. Ouvimos o que as pessoas falam do assunto, pensávamos que éramos livres para andar e desfrutar da vida”, observou.

Pode-se dizer que tudo começou em 1890, quando o tratado de Heligoland-Zanzibar dividiu o lago segundo as leis coloniais. O acordo foi emendado em 1982 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, em outubro de 2011, o então presidente do Malawi, Bingu wa Mutharika, falecido em abril do ano seguinte, concedeu um contrato à British Surestream Petroleum para começar a explorar gás e petróleo na parte oriental do lago. Em dezembro de 2012 foi dada nova licença, à South African Firm SacOil.

Por sua vez, a Tanzânia anunciou, em julho do ano passado, seu plano de adquirir uma balsa de US$ 9 milhões, com ajuda da Dinamarca, para cruzar o lago. Henry Phoya, ministro de Terras, Habitação e Desenvolvimento Urbano do Malawi, protestou dizendo que a Tanzânia não tem direito de operar no lago, enquanto não se resolver a disputa sobre sua propriedade. A representante tanzaniana da região de Mbeya, Hilda Ngoye, respondeu que barcos pesqueiros e de turismo do Malawi invadiam águas jurisdicionais da Tanzânia.

A situação piorou quando o primeiro-ministro tanzaniano, Samuel Sitta, alertou que seu país não duvidaria em responder a qualquer provocação militar. “Este lago deve ser usado para melhorar a terra e o sustento das populações locais dos dois lados da fronteira”, disse à IPS o jornalista e especialista em diferendo, Felix Mwakyembe. “É um recurso, e, no entanto, é usado como parte do jogo político para promover carreiras pessoais”, enfatizou Mwakyembe, que escreve regularmente para jornais em swahili e em seu próprio blog.

“Não há uma disputa fronteiriça entre as comunidades locais, mas entre dirigentes, é um assunto político nas altas esferas e com vistas às eleições de Malawi em 2014, e da Tanzânia em 2015”, afirmou o jornalista. “Infelizmente, as comunidades locais são peões. Não têm acesso à informação nem instrução para compreender as implicações e a seriedade disto”, destacou.

“Não há problema no terreno”, disse Kilumbo, morador em Kyela. “Os pescadores tanzanianos continuam com sua vida como sempre e, embora a gente saiba o que está nos noticiários, não temos ideia do motivo. Não sei nada dos planos petroleiros. E nunca ouvi falar de uma avaliação de impacto ambiental, e, certamente, nunca vi uma”, contou.

A população local parece não saber do que se trata a disputa, mas tampouco conhecem seus direitos que estão em jogo. A responsável de comunicação da organização HakiElimu (Seus Direitos), Nyanda Shuli, disse à IPS que a ênfase deve ser dada à responsabilidade financeira e transparência, e que o fluxo dos investimentos e de renda deve se dirigir para as comunidades.

“Por ora, as decisões são tomadas na capital, Dar es Salaam, e não há conexão, nem diálogo significativo algum com as regiões. É mais complicado porque as distâncias são enormes e as redes telefônicas e de transporte muito ruins”, detalhou Shuli. Entre o que não se sabe e os desacordos, algo está claro: há minerais pouco comuns e valiosos em engenharia debaixo do lago, e possivelmente também gás natural e petróleo. No momento, Kilumbo acredita que o que existe é suficiente. Envolverde/IPS