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Para refugiados sírios Espanha é uma porta incerta para a Europa

Centro de acolhida da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado na cidade de Málaga. No balcão do segundo andar, onde ficam os quartos, um cartaz pendurado diz: “direito de viver em paz”. Foto: Inés Benítez/IPS
Centro de acolhida da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado na cidade de Málaga. No balcão do segundo andar, onde ficam os quartos, um cartaz pendurado diz: “direito de viver em paz”. Foto: Inés Benítez/IPS

 

Málaga, Espanha, 22/7/2014 – Samir cobre o rosto com sua mãozinha enquanto brinca junto ao pé de laranja no pátio interno do centro da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (Cear) na cidade de Málaga. Tem quatro anos e está há quase um na Espanha, onde chegou com seus pais procedentes de Damasco, fugindo da guerra na Síria. Como Samir (nome fictício, para sua proteção de sua família), milhões de sírios abandonaram suas casas e suas formas de vida para escapar do conflito iniciado em março de 2011.

Alguns dos que buscam proteção na União Europeia (UE) aterrissam na Espanha com um visto, mas outros chegam do Marrocos cruzando a pé os postos de fronteira de Ceuta e Melilla, enclaves espanhóis no norte da África, com documentação falsa adquirida no mercado negro. “A travessia da Síria para a Espanha pode durar até três ou quatro meses”, contou à IPS o sírio Wassim Zabad, originário de Damasco, que há 11 anos vive em Málaga.

Muitos chegam ao Marrocos após passarem por Egito, Líbia e Argélia, detalhou Zabad, proprietário de uma agência de viagens voltada a levar turistas espanhóis para Líbano, Egito e Síria, e que sofreu os embates dos conflitos nesses países. A seu ver, as condições para os refugiados “estão muito ruins” na Espanha e por isso “98% dos sírios” prosseguem para outros países, onde alguns têm familiares e pensam que há mais facilidade e ajuda econômica, sobretudo na França, Alemanha ou Suécia.

Francisco Cansino, coordenador de Andaluzia Oriental da Cear, confirmou à IPS que a maioria dos sírios que atende, procedentes do Centro de Permanência Temporária para Imigrantes (Ceti) de Melilla, preferem ir para outros países da UE onde pedem asilo, embora a norma comum estabeleça que o trâmite deve ser feito no país de entrada e eles serem informados disso.

O Regulamento de Dublin II da Comissão Europeia, de 18 de fevereiro de 2013, diz que o primeiro país seguro no qual entra o solicitante de asilo é responsável por tramitar sua proteção internacional e também prevê sua devolução. “Não ficam. Partem pensando que terão mais possibilidades em outros países. Inclusive, pedem para partir no mesmo dia em que chegam. Dizem ter familiares na Europa”, explicou Cansino. A seu ver, os refugiados sírios “de repente enfrentam um abismo de incerteza”.

Quatro sírios, pais com dois filhos, vivem estas semanas no centro da Cear de Málaga, que fornece teto, comida, roupa, 50 euros mensais por pessoa, aula de espanhol e programas de formação e emprego. A Cear é uma organização humanitária independente baseada no voluntariado. Somente em 2014, foram atendidas neste centro cerca de 200 pessoas procedentes da Síria, segundo Cansino.

“Os refugiados sírios que chegam à Espanha são uma minoria. A maioria está refugiada dentro da Síria ou busca segurança em países vizinhos”, pontuou à IPS o responsável pelo Centro de Acolhida de Refugiados da Cruz Vermelha em Málaga, David Ortiz. Nesse centro, um dos sete existentes no país, 13 dos 20 lugares estão ocupados por sírios e palestinos que viviam na Síria. Entre eles duas famílias com crianças, estudando desde que chegaram.

Na guerra da Síria morreram cem mil pessoas, dez mil delas crianças, enquanto 2,6 milhões se refugiaram em outros países e 6,5 milhões são refugiados internos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). “Os refugiados sírios chegam com um trauma brutal”, disse Ortiz. Têm de reconstruir sua vida aprender um idioma novo e encontrar trabalho em um país como a Espanha, com um nível de desemprego acima dos 25% da população economicamente ativa, acrescentou.

O informe A Situação das Pessoas Refugiadas na Espanha, apresentado em junho pela Cear, diz que este país recebeu, no ano passado, 4.502 pedidos de proteção internacional, contra 2.588 em 2012, devido ao aumento de solicitações por parte de pessoas originárias de Mali (1.478) e Síria (725).

Segundo dados da Eurostat apresentados na análise da Cear, em 2013 chegaram à UE 435 mil pessoas pedindo proteção, em sua maioria procedentes da Síria (50 mil), e o principal receptor foi a Alemanha, com 109.580 solicitações, seguida de França e Suécia. Mas somente 3% dos refugiados sírios obtiveram proteção internacional na Europa.

“Espero encontrar uma situação estável aqui na Espanha”, disse o sírio Adi Mohamed, de 33 anos, que graças a um visto pôde aterrissar em abril em Málaga, onde vive com alguns amigos sírios. Empresário do ramo de hospedagem em Palmira, próximo a Homs, Mohamed está preocupado pela segurança de seus pais e dos cinco irmãos que deixou para trás.

Mohamed, que era gerente de um restaurante com meia centena de empregados, perguntou em inglês: “Por que a Espanha oferece menos ajuda aos refugiados e demora mais nos trâmites de asilo do que Alemanha ou Suécia?”. E afirmou que, “se soubesse disso, teria viajado para outro país”.

A permanência nos centros de acolhida de refugiados é de seis meses, prorrogáveis pelo mesmo tempo, no caso – “muito frequente” – de nesse período não ser resolvida a questão do pedido de proteção internacional. Para famílias com crianças, a acolhida pode se estender por até 18 meses, detalhou Ortiz. “O tempo de tramitação do pedido de asilo é desigual nos diferentes países da UE, bem como os benefícios para os refugiados”, reconheceu, questionando “a justiça” do Convênio de Dublin, que obriga os refugiados a tramitarem seu asilo no país de entrada no bloco.

Em um informe publicado em 9 de julho, a Anistia Internacional afirma que dos 1,82 bilhão de euros destinados pela UE para proteger as fronteiras externas entre 2007 e 2013, apenas 700 milhões foram dedicados a melhorar a situação dos solicitantes de asilo. Em sua análise, a Anistia acusa a União Europeia de “colocar em perigo a vida e os direitos dos refugiados e imigrantes” que tentam entrar em território da UE, sobretudo através de Bulgária, Grécia e Espanha, e alerta que cerca de 23 mil pessoas morreram tentando chegar à Europa desde 2000.

Diversas ONGs denunciam as condições inadequadas no Ceti de Melilla que abriga centenas de sírios e imigrantes subsaarianos, e a demora nos trâmites de pedido de asilo que os impede de sair de Ceuta ou Melilla, de acordo com a legislação espanhola. Segundo o informe do Acnur, Refugiados Sírios na Europa. O Que a Europa Pode Fazer Para Garantir Proteção e Solidariedade, publicado no dia 11 deste mês, o Ceti abrigava, no dia 12 de junho, 2.161 pessoas, quando sua capacidade máxima é de 480. Ali conviviam 384 adultos sírios e 480 crianças. Envolverde/IPS