Arquivo

Para uma zona de livre comércio entre África do Sul e Nigéria

Ajegunte, um assentamento precário de Lagos, na Nigéria. Foto: Sam Olukoya/IPS

Johannesburgo, África do Sul, 18/6/2013 – A negociação de uma zona de livre comércio entre as duas maiores economias africanas, Nigéria e África do Sul, caso exista, teria um efeito poderoso nos intercâmbios no sul do continente e obrigaria outros países a agirem. “Traria benefícios econômicos substanciais para os dois lados em termos de exportações, investimentos, melhor competição e de produtividade”, disse à IPS o pesquisador Peter Draper, do Instituto de Assuntos Internacionais da África do Sul. Os dois países começaram um acordo de cooperação informal.

Por ocasião da visita do presidente nigeriano, Goodluck Jonathan à África do Sul, em maio, o ministro da Indústria e Comércio sul-africano, Rob Davies, anunciou o compromisso de seu país em ajudar a Nigéria, a nação mais povoada da África, a converter o setor automobilístico em um ramo emblemático. Contudo, para alguns especialistas, preocupa que uma zona de livre comércio beneficie apenas os sul-africanos, que têm um setor manufatureiro desenvolvido, à custa da Nigéria, menos industrializada.

“Isso não significa que a África do Sul não esteja disposta, mas sim sugerir que, havendo vontade política por trás dessa ideia, seria favorável a um acordo comercial limitado e não a um exaustivo”, pontuou Draper. O empresário R. J. van Spaandonk, residente em Johannesburgo, tem licença para importar computadores Apple, telefones, tablets e outros produtos para os dois países. Ele disse à IPS que uma área de livre comércio é um sinal muito positivo, pois os dois governos parecem se aproximar cada vez mais.

“Entretanto, na prática, os benefícios podem ser limitados. Muitas empresas sul-africanas operam na Nigéria por meio de entidades que não são da África do Sul, por isso não está claro se poderiam ser consideradas beneficiárias de uma área de livre comércio”, afirmou Spaandonk. “Aplaudiria uma transparência maior no tocante a normas e regulações que são aplicadas, em termos de restrições de importações, certificados de produtos, vistos, etc., e um processamento e uma execução mais rápida. Nas duas partes, provavelmente”, afirmou.

Jabu Mabuza, presidente do Business Unity South Africa, disse que existe um grande potencial para que haja relações mais estreitas entre os dois países, mas acrescentou que necessitaria mais tempo para decidir se uma área de livre comércio é o melhor enfoque, ou não. “Pessoalmente, aplaudo a aproximação e o reinício das relações entre os dois países”, afirmou, acrescentando que, “se podemos ter relações que sejam social e politicamente proveitosas, devemos fazer tudo o que for preciso”.

Por outro lado, Dianna Games, diretora-executiva da consultoria africa@work, disse à IPS acreditar que há suficiente comércio, atual e futuro, entre os dois países para pensar em uma área de livre comércio. Porém, afirmou que é preocupante a falta de intercâmbios comerciais de produtos não petrolíferos entre Nigéria e África do Sul. “O setor manufatureiro na Nigéria ainda está em uma fase incipiente, em parte devido à grave escassez de energia. Esse país é o principal fornecedor de petróleo da África do Sul, quase não existe comércio além do petrolífero”, acrescentou.

O Serviço de Impostos da África do Sul informou que, no primeiro trimestre de 2012, as exportações da Nigéria para o mercado sul-africano chegaram a US$ 750 milhões, com US$ 740 milhões compostos de produtos minerais, principalmente petróleo. No mesmo período, as exportações da África do Sul para a Nigéria foram de US$ 150 milhões. “O mercado nigeriano é enorme e está desatendido, por isso qualquer que seja sua capacidade, facilmente é absorvida pelo mercado local, com algum intercâmbio para a região da África ocidental. Não há nada que sugira que a África do Sul será um mercado de escolha para os produtos e serviços nigerianos nos próximos tempos”, acrescentou.

O mesmo alerta fez Foluso Phillips, presidente da Phillips Consulting, com sede em Lagos. “A África do Sul tem muito a oferecer à Nigéria, mas houve um problema de atitude e de falta de confiança, bem como objetivos divergentes de ambas as partes”, afirmou. “No entanto, deve haver um forte espírito ganhador, pois o registro de acompanhamento e a percepção faz com que tudo pareça favorecer a África do Sul”, acrescentou.

Qualquer acordo entre os dois países deve se basear em uma transferência de tecnologia real e de valor para a Nigéria. Phillips insistiu que é preciso se concentrar em levar valor à Nigéria e não em converter seu país em um depósito de produtos sul-africanos se as fronteiras forem abertas às exportações da África do Sul. “A Nigéria não pode continuar financiando importações pagando-as com petróleo, por isso, se a proposição de valor da África do Sul se basear em insumos locais, mas de propriedade conjunta, então haveria um ganhador”, acrescentou.

Games observou que existe o reconhecimento da importância mútua dos dois países e para o continente em geral, mas a Nigéria necessitará se convencer dos benefícios para seu mercado. “Tal medida tem consequências positivas no tocante à assistência da África do Sul às companhias nigerianas para que construam escala e capacidade industrial”, afirmou.

“A discussão sobre desenvolver vínculos entre África do Sul e Nigéria na indústria automobilística (o que ocorreu durante a visita de Jonathan) é um exemplo de algo que poderia ser replicado em outros setores”, pontuou Games. Ela também acredita que, simbolicamente, seria importante destacar um maior grau de cooperação entre os dois países, pois ambos são Estados base na África, tanto econômica quanto politicamente.

“O êxito econômico de cada um é importante não apenas para seus respectivos territórios, mas também para o desenvolvimento maior do continente, e se uma área de livre comércio for aceitável do ponto de vista político, não apenas para os dirigentes mas para outros atores empresariais, ajudaria a cimentar os laços entre os dois países”, concluiu Games.

Por sua vez, Draper disse que, se Nigéria e África do Sul convidarem seus vizinhos regionais para as negociações, isso “poderia ter um efeito enorme, ao liberar a competição incorporando a África meridional e ocidental. Dominar isto seria, no mínimo, um desafio”, destacou. Envolverde/IPS