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Paradoxos hídricos no norte do Sri Lanka

A água potável escasseia, inclusive agora, na península de Jaffna, no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Jaffna, Sri Lanka, 21/11/2012 – A guerra civil do Sri Lanka durou quase três décadas e deixou entre 80 mil e cem mil mortos, e também parece ter impactado os precários recursos hídricos da península de Jaffna, norte do país. Foi precisamente esta região, onde ocorreram os piores combates, que começaram em 1983, após uma série de ataques da comunidade cingalesa, majoritária no país, contra a tamil, predominante no norte e no leste.

Os rebeldes Tigres para a Libertação da Pátria Tamil (LTTE), que lutaram pela separação e independência de seus territórios, se declararam derrotados pelas forças do governo em 17 de maio de 2009. Durante o conflito, Jaffna, centro nevrálgico político e cultural da população tamil, se converteu na capital de fato do Estado separado que os rebeldes reclamavam.

Muitos civis, presos entre o LTTE e as Forças Armadas do Sri Lanka, começaram a fugir em massa de Jaffna. Daí as plantações terem caído ao nível da subsistência, as empresas terem permanecido pequenas e os projetos de desenvolvimento em grande escala se convertido em uma espécie ameaçada. Com a derrota do LTTE em 2009 chegou uma nova onda de desenvolvimento que está transformando Jaffna em uma pujante metrópole, que trabalha com denodo para compensar a paralisação que prevaleceu durante a guerra.

Embora muitos elogiem estes planos para fazer a cidade se desenvolver a todo vapor, especialistas em meio ambiente alertam que o fornecimento de água da região, que se manteve relativamente intacto durante a guerra, não suportará uma ofensiva aberta em nome do crescimento econômico.

Estudo do Instituto Internacional para o Manejo da Água concluiu que o delicado lençol freático de Jaffna pode se contaminar facilmente com o uso excessivo de fertilizante, ou ser alterado pelos esforços de extração, permitindo que a água do mar vaze para o fornecimento de água doce superficial. “A abertura de Jaffna depois da guerra está colocando enorme pressão sobre os recursos hídricos”, disse à IPS o diretor do Instituto para o país, Herath Manthrithilake.

Nenhum rio atravessa a península de mil quilômetros quadrados, composta principalmente de pedra calcária. A água para uso agrícola e humano até agora era retirada de poços, embora algumas partes de Jaffna tenham acesso a água corrente. “É um assunto urgente. Necessitamos considerar a precária situação hídrica da cidade e implantar medidas adequadas antes que seja muito tarde”, disse à IPS a conferencista Thushyanthy Mikunthan, do Departamento de Agricultura da Universidade de Jaffna.

A cientista acrescentou que, se a cidade apostar em depender do lençol freático formado pelas chuvas, deve aderir a um consumo mínimo e não extrair mais água do que a pedra calcária retém. Mikunthan acredita que a extração de água deveria ser inferior a 50% da recarga anual pelas chuvas.

De modo alarmante, um estudo feito por Mikunthan um ano antes de terminar a guerra concluiu que, mesmo naquela época, os níveis de extração eram quase 20% maiores do que a proporção de recargas, embora naquele ano a região tenha registrado precipitações superiores à média devido ao ciclone Nisha. “Os resultados do estudo sobre o equilíbrio hídrico mostram tendências de baixa no armazenamento de água subterrânea, demonstrando, assim, uma superexploração do aquífero subterrâneo”, afirma o estudo.

Manthrithilake expressou preocupações semelhantes. “Não estamos reclamando um fechamento de Jaffna, mas apenas um enfoque de desenvolvimento integral, onde também se considere o manejo da água”, ressaltou. Ele também alertou que, se a água estiver contaminada, será impossível devolvê-la a níveis seguros. “Uma vez que vaze a água salgada, é quase impossível limpar a água”, alertou.

Mikunthan pontuou que, apesar da seriedade do problema, poucas pessoas que tomam decisões dão atenção a ele. “A situação, sem dúvida, deve ter mudado para pior desde o momento em que fiz minha pesquisa”, opinou. Sua pesquisa concluiu que a causa mais grave de exploração era o uso de bombas mecanizadas para extrair água subterrânea, especialmente para fins agrícolas.

Com a abertura dos mercados, a produção agrícola, até agora dependente de técnicas de agricultura orgânica, cresce a passos de gigante. Christine Kurukularajah, pequena agricultora na região, confirmou que a produção aumentou devido à disponibilidade de fertilizantes e pesticidas, que durante a guerra estavam proibidos pelo LTTE. “Agora não há nenhuma restrição”, contou à IPS.

Um uso excessivo de fertilizantes poderia facilmente contaminar a água doce pela infiltração no lençol de água superficial de Jaffna. “Minha pesquisa mostra que há um vínculo entre o nitrato na água potável e o aumento do câncer na região”, advertiu Mikunthan, que também afirmou que Jaffna está à mercê dos mutantes padrões meteorológicos, com chuvas curtas de alta intensidade, seguidas por secas prolongadas.

De fato, uma longa seca iniciada no começo deste ano só foi interrompida por uma tempestade ciclônica nos últimos três dias de outubro. No momento, a melhor esperança para Jaffna é o novo programa hídrico, pelo qual a água será bombeada do tanque de Iranamadhu, 50 quilômetros ao sul da península. Embora tenham começado as obras do projeto, esse fornecimento não é esperado para antes de 2015, pelo menos.

Manthrithilake informou que existe a possibilidade de aumentar as fontes hídricas de Jaffna escavando os, aproximadamente, mil tanques da região e cavando novos. Algumas autoridades governamentais também se voltam para novos locais de extração, localizados no sul da península, acrescentou, “mas tudo está na fase de planejamento”. Mikunthan enfatizou que, “até podermos ampliar os recursos hídricos disponíveis, Jaffna terá que se arranjar com o que tem, e manejar o recurso diligentemente”. Envolverde/IPS