Quito, Equador, 26/8/2013 – A decisão do governo do Equador de dar os primeiros passos para explorar parte do petróleo de uma das zonas mais biodiversas do planeta, o Parque Nacional Yasuní, fez soar o alarme geral entre ambientalistas e indígenas, que querem um referendo a respeito. O presidente do país, Rafael Correa, ordenou, no dia 15 de agosto, o arquivamento da Iniciativa Yasuní ITT, destinada a deixar no subsolo a riqueza hidrocarbonífera do parque amazônico em troca de uma compensação econômica internacional, devido à falta de contribuição ao fundo aberto para esse fim.
A decisão dá luz verde à estatal Petroamazonas para iniciar operações exploratórias no Parque, segundo o decreto que põe fim à Iniciativa. Os que estão contra a exploração alertam para o impacto que sofreriam a fauna, a flora e os povos em isolamento voluntário (tagaeri e taromenane) se for concretizada a incursão petroleira na maior área protegida do Equador, com 982 mil hectares.
Por isso, no dia 22, a Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), a Confederação Kichwa do Equador (Ecuarunari), a Confederação de Estudantes Universitários e a Ação Ecológica, entre outras organizações, apresentaram ao Tribunal Constitucional sua proposta de referendo, que para ser aceita exige o apoio de 584.116 assinaturas, 5% do padrão eleitoral. A pergunta a ser feita seria: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo da ITT, conhecido como bloco 43, indefinidamente no subsolo?”.
Correa exortou a população a recolher as assinaturas e disse ter a segurança de que sua proposta de extrair petróleo do Yasuní, para incrementar a obra pública com esse dinheiro, seria vencedora. O governo assegura que haverá intervenção somente em uma extensão inferior a um por mil do Parque, situado no norte do país, e que não incidirá na vida dos povos isolados, já que os campos a serem explorados – Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT) – estão longe da chamada zona intangível, onde habitam essas nacionalidades.
José Lema, presidente do Colégio de Engenheiros Geólogos do Equador, disse à IPS que é possível a extração ocorrer como pretende o governo. Como antecedente, citou os trabalhos da Petroamazonas no campo Pañacocha, situado em outra reserva natural, que recebeu reconhecimentos internacionais por suas boas práticas ambientais. “A Petroamazonas desenvolve trabalhos semelhantes nessa área, onde existe um impacto temporário, somente enquanto se constrói o oleoduto”, afirmou Lema.
O especialista considera que primeiro se deve realizar uma nova avaliação da área para redesenhar o plano de exploração. “Pode mudar, porque a metodologia usada em um princípio (1993) foi uma sísmica 2D, que determinou um nível de reservas de 920 milhões de barris de petróleo”, afirmou. “Mas, quando se tiver uma informação mais detalhada, com uma valorização volumétrica, se conhecerá um volume mais real e, seguramente, será maior do que o identificado”, ressaltou.
Para Lema, o principal será a adequação das plataformas que já existem no Parque e a maneira de introduzir os equipamentos para a instalação. Depois virá a perfuração dos poços e a construção das tubulações. “Deve-se considerar que todo projeto tem uma alteração, o objetivo é reduzi-la ao máximo com o uso da melhor tecnologia”, enfatizou.
Wilson Pástor, ex-ministro de Recursos Não Renováveis do governo esquerdista moderado de Correa, no poder desde 2007, acredita que o alarme é infundado, porque já existe exploração de petróleo no Yasuní. “O bloco 31 foi explorado pela Petrobras, hoje é da Petroamazonas e fica dentro do Parque”, explicou. Além disso, em Pañacocha são produzidos 18 mil barris diários, mas o óleo não é processado nem tocado dentro da área, recordou.
“O mesmo se fará com o ITT, primeiro porque já há sete plataformas realizadas” e serão perfurados poços em conjunto. “Antes se fazia um poço por plataforma, agora se faz 25 poços em cada lugar, de maneira que não se ocupa mais espaço”, afirmou Pástor. O mais contaminante são as instalações de tratamento e separação da água, do gás e do petróleo, o que implicaria “praticamente fazer uma refinaria e essa refinaria não será feita no ITT”, por isso “o impacto total da intervenção será de 190 hectares”, afirmou.
Tampouco será gerada eletricidade no campo e o oleoduto passará “totalmente” à margem do Parque, em um caminho de três metros de largura com material biodegradável para enterrar a tubulação. Com se vê, os planos já existiam. O ex-ministro garante que a exploração terá um benefício adicional para o Parque. “Hoje o Yasuní não tem instituições fortes que controlem o acesso ao local, mas se a Petroamazonas entrar haverá recursos para protegê-lo”, enfatizou.
O governo prevê que o campo Tiputini produzirá seus primeiros barris em dois anos, Tambococha 12 meses mais tarde, e Ishpingo outro ano depois. Porém, as organizações sociais não aceitam os argumentos de Correa e seu governo. María Paula Romo, ex-constituinte do partido Ruptura 25, afirmou à IPS que o governo deixou de lado o Artigo 57 da Constituição, que proíbe os processos extrativistas em zonas onde vivem povos isolados.
Esse Artigo diz que “os territórios dos povos em isolamento voluntário são de posse ancestral irredutível e intangível, e neles estará vedado todo tipo de atividade extrativista. O Estado adotará medidas para garantir suas vidas, fazer respeitar sua autodeterminação e vontade de permanecer em isolamento e garantir a observância de seus direitos”. E acrescenta que “a violação destes direitos constituirá crime de etnocídio, que será tipificado em lei”.
Por isso, pontuou Romo, “antes de falar das especificações dos poços, primeiro se deve perguntar como se justificará diante da Constituição entrar em um território proibido”. O ministro da Justiça, Lenín Lara, garantiu que não há povos isolados nos campos onde se pretende extrair petróleo, mas ambientalistas e antropólogos os desmentiram. “Os taromenanes estão sendo cercados por todas as partes e, embora os trabalhos se façam com a melhor tecnologia, vão gerar pressão nesses povos”, advertiu o jornalista e cineasta Carlos Andrés Vera.
Correa decidiu arquivar sua Iniciativa ITT porque, dos US$ 3,6 bilhões previstos desde sua abertura em 2007, foram obtidos apenas US$ 13,3 milhões de empresas, pessoas físicas e países em um fundo administrado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“Não surpreende” que países ricos não tenham cumprido sua parte nesta iniciativa, disse à IPS a analista de política internacional da Amigos da Terra, Karen Orenstein. “Basta olhar os cofres quase vazios do Fundo Verde para o Clima para ver que os Estados industrializados não cumprem o que prometem quando se trata de dinheiro para as nações em desenvolvimento enfrentarem a crise climática que eles criaram”, destacou.
“Isto é especialmente certo para os Estados Unidos, historicamente o principal contaminador do clima, mas miserável quando se trata de finanças climáticas internacionais”, afirmou Orenstein. As potências industriais aceitaram dotar de US$ 100 bilhões o Fundo Verde para o Clima, criado em 2010 pelas Nações Unidas para ajudar os países pobres a mitigar e se adaptarem à mudança climática.
O Fundo já estabeleceu uma secretaria na Coreia do Sul e entraria em operações no final de 2014, mas a arrecadação de recursos segue extremamente lenta e a maioria das contribuições foi gasta na implantação da iniciativa. Mesmo assim alguns mantêm a esperança de que ocorram aportes significativos até o final do ano, durante a conferência das partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Contudo, além dos questionáveis aspectos financeiros, “extrair petróleo do Yasuní será uma bofetada nos movimentos sociais e ecológicos do Equador e do mundo que promoveram a iniciativa”, ressaltou Orenstein. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Carey L. Biron (Washington).