Doha, Catar, 20/9/2011 – Pelo menos 21 pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas ontem em uma nova repressão a manifestações pacíficas nas ruas da capital do Iêmen, Sana’a. No dia 18, 26 manifestantes contra o governo foram mortos e centenas ficaram feridos por disparos das forças leais ao presidente Ali Abdullah Saleh. Segundo diversos relatos, as mortes aconteceram quando franco-atiradores dispararam contra transeuntes e participantes de um protesto pacífico na Praça da Mudança.
“Ajudem-me, meu Deus, olhe este massacre”, disse o pai de um menino que morreu com um tiro na cabeça. “Simplesmente estávamos no carro na rua Hayel (perto dos incidentes). Saía para conseguir algo para comer e deixei meus dois filhos no veículo, quando ouvi o mais velho gritando. O menor recebeu um tiro na cabeça”, contou.
Os distúrbios aconteceram quando os manifestantes tentaram avançar em território controlado pelas forças do governo, depois de terem estendido seu acampamento durante a noite. A oposição prometera continuar com as manifestações apesar da repressão deste dia. Um jornalista independente do Iêmen disse à rede árabe de TV Al Jazeera que “tudo aponta para mais protestos”.
O vice-ministro de Informação, Abdu al Janadi, rechaçou as acusações de que o regime planejara a repressão e responsabilizou pela violência “atacantes desconhecidos”. A uma rede de TV britânica, Al Janadi disse que “este ataque foi preparado para matar a maior quantidade de gente possível. É um complô contra o povo iemenita”. Também ontem, duas pessoas morreram e dez ficaram feridas quando forças leais ao presidente abriram fogo contra manifestantes na cidade de Taiz.
Desde domingo, dezenas de milhares de manifestantes pedindo o fim do regime de 33 anos de Saleh tomaram as ruas da capital. O jornalista iemenita Mohammad al-Qadhi disse que franco-atiradores do governo instalados nos telhados dos prédios dispararam contra os manifestantes. “Falei com um dos manifestantes. Ele disse que dispararam contra peito, pernas e outras partes do corpo”, afirmou.
Testemunhas contaram que as forças de segurança e civis armados dispararam contra os manifestantes quando deixavam a Praça da Mudança – onde acampavam desde fevereiro exigindo o fim do regime – e marchavam para o centro da cidade. “Conversei com um médico ontem, que disse que um dos ferimentos que viu nas costas de uma pessoa era muito grande para ser causado pelo disparo de um rifle”, disse o jornalista independente. “Era um grande círculo nas costas do homem”, sugerindo tratar-se de uma ferida causada por míssil propulsado por foguete, acrescentou.
O jornalista disse ter contado pelo menos 16 corpos amontoados em uma mesquita, a maioria com tiros na cabeça. “A maioria tinha menos de 22 anos. Vi um de 16 anos. Há três hospitais em Sana’a abarrotados de feridos. Um médico contou que esperava que o número de mortos aumentasse para 50 amanhã de manhã”, disse o jornalista. O analista iemenita Munir Al Mawri afirmou que os Estados Unidos cometem um grande erro ao se colocarem como neutros na repressão, como se tratasse de uma crise política que pudesse ser resolvida entre o governo e a oposição.
A nova repressão contra os manifestantes chegou em meio a informações de que o vice-presidente, Abdrabuh Mansur Hadi assinaria uma iniciativa dos países do Golfo para a passagem do poder no Iêmen “dentro de uma semana”. “Dentro de uma semana, o vice-presidente assinará a Iniciativa do Golfo para designar o presidente”, disse a jornalistas um alto funcionário saudita, que pediu para não ser identificado.
Na semana passada, Saleh autorizou Hadi a negociar uma transferência de poder com a oposição. A iniciativa foi proposta pelos seis países do Conselho de Cooperação do Golfo, e fixa o caminho para uma transição pacífica que permita a saída de Saleh, que governa o país desde 1978. Segundo o funcionário saudita, “entre as garantias exigidas por Saleh está a de que seu filho seja mantido no próximo governo”. Saleh abandonou o país há três meses e se exilou na Arábia Saudita, onde se recupera de um atentado que sofreu em 3 de junho. O presidente é acusado de nepotismo e corrupção, e enfrenta protestos inspirados na Primavera Árabe. Envolverde/IPS