“Perdendo o mundo”: o declínio dos Estados Unidos em perspectiva

Aniversários significativos são comemorados solenemente – o do ataque japonês à base da Marinha norte-americana de Pearl Harbor, por exemplo. Outros são ignorados, e podemos sempre aprender importantes lições que eles nos dão de como é possível seguir mentindo adiante. Na verdade, agora.

No momento, estamos errando em não comemorar o 50° aniversário da decisão do presidente John F. Kennedy de promover a mais assassina e destrutiva agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do Vietnã do Sul, e depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países devastados, com perdas ainda crescentes causadas pela exposição do país aos carcinogênicos mais letais de que se tem conhecimento, que comprometeram a cobertura vegetal e a produção de alimentos.

O primeiro alvo foi o Vietnã do Sul. A agressão depois se espalhou para o Norte, e então para a sociedade remota do nordeste do Laos, até finalmente chegar ao rural Camboja, que foi bombardeado de tal maneira que chegou ao nível impressionante de ser alvo de todas as operações aéreas aliadas da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens de Henri Kissinger estavam sendo obedecidas – “qualquer coisa que voe ou se mova”; uma rara convocação para o genocídio na história.

Pouco disso tudo é lembrado. A maior parte desses massacres é escassamente conhecida para além dos estreitos círculos de ativistas.

Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os portões estarão amplamente abertos”.

Em outro lugar, ele alertou em seguida que “as sociedades leves, complacentes e autoindulgentes estavam para ser varridas para os escombros da história [e] só a força… pode sobreviver”, neste caso refletindo a respeito do fracasso da agressão e do terror norte-americanos em esmagar a independência cubana.

Quando os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietnã, Bernard Fall, nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e cultural… está ameaçada de extinção… (enquanto)… a sua área rural literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez, referindo-se ao Vietnã do Sul.

Quando a guerra acabou, oito horrendos anos depois, a opinião dominante estava dividida entre aqueles que a descreviam como uma “causa nobre” que poderia ter sido vencida com mais dedicação, e o extremo oposto, os críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou altamente custoso. Por volta de 1977, o presidente Carter chamou pouca atenção quando explicou que “não havia dívida” nossa com o Vietnã porque “a destruição foi mútua”.

Há lições importantes em tudo isso para hoje, mesmo deixando de lado os fracos e derrotados que são chamados para responder por seus crimes. Uma lição é que, para entender o que está acontecendo, devemos buscar não apenas criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente dispensados pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da elite acreditam, mesmo que com tintas de fantasia. Uma outra lição é que, ao lado dos frutos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o público (e talvez acreditados por aqueles enganados pela própria retórica), há também planejamento geoestratégico baseado em princípios que são racionais e estáveis em longos períodos, porque estão enraizados em instituições estáveis e na agenda destas. Isto também é verdade no caso do Vietnã. Eu voltarei a isto, só destacando aqui que os elementos persistentes na ação estatal são geralmente bastante opacos.

A guerra do Iraque é um caso instrutivo. Ela foi vendida para um público aterrorizado com as ameaças usuais da autodefesa contra uma formidável ameaça à sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony Blair declararam foi se Saddam Hussein ia encerrar o seu programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão recebeu a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o nosso “anseio por democracia”, e a opinião pública educada seguiu devidamente o curso; o de sempre.

Mais tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque se tornou difícil de esconder, o governo quietamente concedeu o que estava claro para todo mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos Estados Unidos e o direito de operações de combate no país, e deve privilegiar os investidores norte-americanos na exploração de seu rico sistema energético – demandas que mais tarde foram relutantemente abandonadas diante da resistência iraquiana. E tudo ficou bastante escondido da maioria das pessoas.

Padronizando o declínio norte-americano

Com essas lições em mente, é útil dar uma olhada no que é destacado na manchete dos maiores jornais de política e opinião, hoje. Peguemos a mais prestigiada das publicações do establishment, a Foreign Affairs. A manchete estrondosa da capa de dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.

O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o declínio norte-americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.

Agora os principais artigos são a respeito de Israel e Palestina. O primeiro, de autoria de dois altos oficiais israelenses, é intitulado O Problema é a Rejeição Palestina e afirma que o conflito não pode ser resolvido porque os palestinos se recusam a reconhecer Israel como Estado judeu – então em conformidade com a prática diplomática padrão: Estados são reconhecidos, mas não seus setores privilegiados. A demanda é dificilmente outra coisa a não ser um novo dispositivo para deter a ameaça de solução política para os assentamentos ilegais que minaria os objetivos expansionistas israelenses.

A posição oposta é defendida por um professor norte-americano e tem como título O Problema é a Ocupação. No subtítulo se lê: Como a Ocupação está Destruindo a Nação. Qual nação? A de Israel é claro. Ambos os artigos aparecem com o título, em cache: “Israel sitiado”.

A edição de janeiro de 2012 lança ainda um outro chamamento para o bombardeio do Irã, agora, antes que seja tarde demais. Alertando contra “os perigos da dissuasão”, o autor sugere que “céticos com relação à ação militar falham em avaliar o verdadeiro perigo que um Irã com armas nucleares imporia aos interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio e além. E em suas previsões sombrias imaginam que a cura pode ser pior do que a doença – quer dizer, que as consequências de um ataque norte-americano ao Irã seriam tão ruins ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo suas ambições nucleares. Mas esta é uma suposição falsa. A verdade é que um ataque militar visando a destruir o programa nuclear iraniano, se for feito com cuidado, poderia significar, para a região e para o mundo, uma ameaça muito real e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos Estados Unidos no longo prazo”.

Outros argumentam que os custos seriam altos demais e no limite alguns chegam a dizer que um ataque (ao Irã) violaria o direito internacional – como o fazem os moderados, que regularmente lançam ameaças de violência, em violação à Carta das Nações Unidas.

Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes

O declínio norte-americano é real, embora a visão apocalíptica reflita a percepção bastante familiar da classe dominante de que algum controle menor ou total implica o desastre total. A despeito desses lamentos piedosos, os Estados Unidos perseveram como poder dominante mundial por larga margem, e não há competidores à vista, não apenas em dimensões militares, sobre os quais os Estados Unidos reina supremo.

A China e a Índia registraram crescimento rápido (embora altamente desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos enormes não enfrentados pelo Ocidente. A China é o maior centro industrial do mundo, mas majoritariamente como uma linha de montagem para as potências industriais avançadas, em sua periferia, e para as multinacionais ocidentais. É provável que isto mude com o tempo. A indústria, em regra, provê as bases para a inovação e a invenção, como vem ocorrendo às vezes na China. Um exemplo que impressionou os especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no mercado crescente de painéis solares, não apenas com base na mão de obra barata, mas no planejamento coordenado e, crescentemente, na inovação.

Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, reportados na Science, o líder dos semanários norte-americanos de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente o movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Este progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.

Além disso, o crescimento econômico chinês recente contou substancialmente com um “bônus demográfico”, uma grande população em idade economicamente ativa. “Mas a janela para o uso desse bônus pode fechar logo”, com um “impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão de obra barata, que é um dos maiores fatores de condução do milagre econômico chinês não estará mais disponível”. A demografia é apenas um dos muitos problemas sérios pela frente. No que concerne à Índia, os problemas são ainda mais graves.

Nem todas as vozes proeminentes anteveem o declínio norte-americano. Na mídia internacional, não há nada mais sério e respeitável que o Financial Times. O jornal recentemente dedicou uma página inteira às expectativas otimistas de que nova tecnologia para extrair combustível fóssil norte-americano pode fazer com que os Estados Unidos se torne energeticamente independente, mantendo portanto sua hegemonia por um século. Não há menção ao tipo de mundo que os Estados Unidos comandarão nesse acontecimento feliz, mas não por falta de evidência.

Quase ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia (AIE) reportou que, com o aumento rápido das emissões de carbono dos combustíveis fósseis, o limite de uso seguro será atingido por volta de 2017, se o mundo continuar no atual curso. “A porta está fechando”, disse o economista-chefe da AIE, e em muito breve “fechará de vez”.

Pouco antes, o Departamento de Energia dos Estados Unidos informou que as imagens mais recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a elevação para o maior índice já registrado”, chegaram num nível mais elevado do que os piores cenários antecipados pelo Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC). Isto não é surpresa para muitos cientistas, inclusive os do programa do MIT para mudança climática, que por anos alertou que os prognósticos do IPCC eram conservadores demais.

Esses críticos das previsões do IPCC receberam virtualmente atenção pública nenhuma, ao contrário dos grupos denegadores do aquecimento global, que são apoiados pelo setor corporativo, juntamente a imensas campanhas de propaganda que têm levado os norte-americanos para fora do espectro internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se traduz diretamente no poder político. A denegação é parte do catecismo que deve ser entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha eleitoral em curso, e no Congresso eles são poderosos o suficiente para abortar até investigações sobre o efeito do aquecimento global, deixando de lado qualquer ação séria a respeito. Numa palavra, o declínio norte-americano pode talvez ser interditado se abandonarmos a esperança pela sobrevivência decente, prognóstico também bastante real, dado o equilíbrio de forças no mundo.

“Perdendo” a China e o Vietnã

Deixando de lado essas coisas desagradáveis, um olhar de perto para o declínio norte-americano mostra que a China na verdade joga um grande papel nele, tanto como o jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta preocupação não é um fenômeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tinham metade da riqueza do mundo e dispunham de níveis globais de segurança incomparáveis. Os estrategistas políticos estavam naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e pretendiam mantê-la assim.

O ponto de vista básico foi apresentado com admirável franqueza num grande documento de 1948. O autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial da época, o representante da equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado dos Estados Unidos, o respeitado estadista e acadêmico George Kennan, um pacifista moderado, dentre os estrategistas. Ele observou que o objetivo político central era manter a “posição de disparidade” que separava a nossa enorme riqueza da pobreza dos outros. Para alcançar este objetivo, advertiu, “nós deveríamos parar de falar de objetivos vagos e… irreais, como direitos humanos, a elevação do padrão de vida e a democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”, não “limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e o benefício do mundo”.

Kennan estava se referindo especificamente à Ásia, mas as observações dele se generalizam, com exceções, aos participantes do atual sistema de dominação global dos Estados Unidos. Ficou bastante claro que os “slogans idealistas” deveriam ser apresentados, sobretudo quando dirigidos aos outros, inclusive às classes intelectualizadas, das quais se esperava que os disseminassem.

O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos Estados Unidos do Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros comerciais e industriais. Estes não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.

Em 1949, a China declarou independência, um evento conhecido no discurso do Ocidente como “a perda da China” – nos Estados Unidos, com algumas recriminações amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de quem tinha sido o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os Estados Unidos tinham a China, por direito, juntamente à maior parte do resto do mundo, tanto como os estrategistas do pós-guerra pensavam.

A “perda da China” foi o primeiro grande passo do “declínio norte-americano”. Foi o que teve grandes consequências políticas. Uma delas foi a decisão imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua ex-colônia da Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.

A Indochina mesma não era motivo de preocupação maior, a despeito das afirmações de suas riquezas naturais por parte do presidente Eisenhower e outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito dominó”, a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas permanece um princípio regulador da política, porque é bastante racional. Para adotar a versão Henri Kissinger dele, uma localidade que cai fora do controle pode se tornar um “vírus” que vai “contagiar”, induzindo outros a seguirem o mesmo caminho.

No caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em recursos. E isto pode levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos Estados Unidos. Isto significaria, com efeito, que os Estados Unidos tinham perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutaram para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.

O modo de lidar com um problema como este é claro: destruir o vírus e “inocular” aqueles que podem ser infectados. No caso do Vietnã, a escolha racional era destruir qualquer esperança de desenvolvimento independente bem-sucedido e impor ditaduras brutais nos arredores. Estas tarefas foram levadas a cabo com sucesso – embora a história tenha sua própria astúcia, e algo similar ao que foi temido desde então tenha se desenvolvido no Leste da Ásia, a maior parte para consternação de Washington.

A vitória mais importante das guerras da Indochina deu-se em 1965, quando um golpe de estado militar, com o apoio dos Estados Unidos, liderado pelo general Suharto significou crimes em massa comparados pela CIA aos de Hitler, Stalin e Mao. A “assombrosa matança em massa”, como descreveu o New York Times, foi acuradamente reportada nos meios dominantes, e com euforia desenfreada.

Foi um “brilho de luz na Ásia”, como observou o comentarista liberal James Reston, no Times. O golpe encerrou as ameaças à democracia, ao demolir o partido político de massas, dos pobres, estabelecendo uma ditadura que registrou as piores violações aos direitos humanos no mundo, e deixou as riquezas do país abertas aos investidores ocidentais. Poucos questionaram que depois de tantos horrores, inclusive a quase genocida invasão do Timor Leste, Suharto ter sido bem recebido pela administração Clinton, em 1995, como “nosso tipo de cara”.

Anos após os grandes eventos de 1965, o conselheiro para Assuntos de Segurança Nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy, refleteria que teria sido sensato acabar com a guerra do Vietnã a tempo, com o “vírus” virtualmente destruído e, o principal, o dominó solidamente no lugar, no esteio de outras ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos na região.

Procedimentos similares são rotineiramente seguidos em outros lugares. Kisssinger estava se referindo especificamente à ameaça da democracia socialista no Chile. Esta ameaça acabou em outra data esquecida, que os latino-americanos chamam de “O Primeiro 11 de Setembro”, que em violência e efeitos nefastos excedeu em muito o 11 de Setembro comemorado no Ocidente. Uma ditadura viciosa foi imposta ao Chile, como uma parte da praga de repressão brutal que se espalhou pela América Latina, chegando até a América Central nos anos Reagan.

Esse vírus tem gerado preocupações profundas aqui e ali, inclusive no Oriente Médio, onde a ameaça de um nacionalismo secular tem consternado os estrategistas britânicos e norte-americanos, induzindo-os a apoiar o fundamentalismo islâmico a opor-se a isso.

A concentração da riqueza e o declínio norte-americano

Mesmo com essas vitórias, o declínio americano continuou. Por volta de 1970, a parte da riqueza do mundo dos Estados Unidos saltou para 25%, basicamente onde está hoje, concentração ainda colossal, mas bastante inferior àquela de fins da Segunda Guerra. Nessa época, o mundo industrial era “tripolar”: a base norte-americana, dos Estados Unidos, a europeia, da Alemanha, e a do Leste da Ásia, já a região industrial mais dinâmica, naquele tempo com base no Japão, mas hoje incluindo as ex-colônias japonesas de Taiwan e Coreia do Sul, e mais recentemente a China.

Nesse período, o declínio norte-americano entrou numa nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 1970, tem havido mudanças significativas na economia dos Estados Unidos, à medida que estrategistas, estatais e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de plantas industriais, levada a cabo em parte pelo declínio da taxa de lucro na indústria doméstica. Estas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza se tornou altamente concentrada (dramaticamente nos 0,1% da população), levou à concentração de poder político, e então a uma legislação que o levou adiante, no que concerne à tributação e outras políticas fiscais, à desregulação, às mudanças nas regras da administração corporativa – o que permitiu imensos ganhos para os executivos – e por aí vai.

Enquanto isso, para a maioria, os salários reais foram majoritariamente estagnados e ao povo só restou aumentar a carga de trabalho (muito além da europeia), a dívida insustentável e as repetidas bolhas, desde os anos Reagan; criando riquezas de papel que desapareceram inevitavelmente quando a bolha estourou (e os perpretadores foram resgatados pelos contribuintes). Em paralelo a isso, o sistema político foi cada vez mais fragmentado, enquanto ambos os partidos mergulharam cada vez mais nos bolsos das corporações, com a escalada do custo das eleições (os republicanos ao nível do absurdo e os democratas – agora majoritariamente os “ex-republicanos moderados” – não ficaram muito atrás).

Um estudo recente do Instituto de Política Econômica, que tem sido a maior fonte de dados respeitáveis sobre o desenvolvimento, intitula-se Failure by Design (no contexto, algo como Fracasso por Ecomenda). A frase “by design” é acurada. Outras escolhas eram certamente possíveis. E como mostra o estudo, o “fracasso” tem um corte de classe. Não há fracasso para os “designers”. Longe disso. Antes, as políticas fracassaram para a imensa maioria, os 99% na imagem dos movimentos Ocupe – e para o país, que tem declinado e vai continuar a fazê-lo, sob essas políticas.

Um fator que o explica é a transferência das plantas industriais. Como ilustra o exemplo do painel solar, mencionado acima, a industrialização tem a capacidade de promover as bases e o estímulo para a inovação, levando a estágios mais avançados de sofisticação na produção, no design e na invenção. Isto, também, está sendo terceirizado, o que não é um problema para os “mandarins do dinheiro”, que cada vez mais mandam na política, mas é um sério problema para o povo trabalhador e as classes médias, e um desastre real para os mais oprimidos, os afro-americanos, que nunca escaparam do legado da escravidão e de sua mais feia consequência, cuja magra riqueza desapareceu virtualmente depois do colapso da bolha imobiliária, em 2008, originando a mais recente crise financeira, a pior até agora.

* Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT. É o maior linguista do mundo e um dos mais, senão o mais, rigorosos e consequentes anarquistas vivos.

** Tradução: Katarina Peixoto.

*** Publicado originalmente no site Carta Maior e retirado do Mercado Ético.