A experiência de elaborar o livro Conversas com Líderes Sustentáveis (a ser lançado pela editora Senac-SP, em junho de 2011) confirmou, de algum modo, a tese de que o modelo mental dos líderes faz toda a diferença na implantação mais ou menos veloz e consistente da sustentabilidade na gestão dos negócios – uma das conclusões do estudo Liderança e o Desafio da Sustentabilidade Empresarial (2007), da consultoria norte-americana Avastone, mencionado no artigo anterior.
Os líderes mais destacados são, de fato, indivíduos que sentem, pensam e agem “fora da caixa”. Entrevistei dez presidentes reconhecidos pela atuação no tema da sustentabilidade: Fábio Barbosa (Banco Santander), Guilherme Leal (Natura), Luiz Ernesto Gemignani (Promon), Franklin Feder (Alcoa), Paulo Nigro (Tetra Pak), Miguel Krigsner (O Boticário), Kees Kruythoff (Unilever), José Luciano Penido (Fibria), Héctor Nuñez (ex-Walmart) e José Luiz Alquéres (ex-Light.) E, embora tenham estilos e temperamentos distintos, há algo de comum no mindset do grupo que aqui sintetizei, para fins didáticos, em cinco pontos. Neste artigo, tratarei de três. No próximo, apresentarei os dois restantes.
(1) Eles acreditam, de verdade, nos valores estruturantes do conceito de sustentabilidade
Para a maioria dos entrevistados, a crença vem em primeiro lugar. Não se trata simplesmente de acreditar, de modo utilitarista, no valor que a sustentabilidade pode adicionar a um negócio nesses tempos de maior interesse do grande público pelo tema. Mas de crer intimamente nos valores que estão por trás da sustentabilidade – como o respeito ao outro, aos ecossistemas e à diversidade, à ética altruísta, à justiça, ao apreço ao diálogo e à transparência — e, mais do que isso, praticá-los cotidianamente em todos os seus atos, valorizá-los em suas escolhas, utilizá-los como driver das principais decisões.
Como já disse Frances Hesselbein (De Líder para Líder, Futura, 1999), ex-presidente da Fundação Peter Drucker e entusiasta divulgadora das ideias do maior pensador de gestão do Século 20, a liderança está, sobretudo, no campo do “como ser” mais do que no do “como fazer”. Líderes em sustentabilidade têm os mesmos atributos que o consultor britânico Charles Handy (Além do Capitalismo, Makron Books, 1999) chamou, certa vez, de “líderes com alma”, indivíduos livres e independentes, capazes de combinar espírito coletivista, solidez moral, paixão pelo que fazem e habilidade de transmitir essa paixão a outros.
A coerência entre o que se diz e o que se faz é, na visão dos líderes que entrevistei, condição fundamental para gerar credibilidade, mobilizar pessoas e extrair o compromisso necessário à mudança de sistemas, modelos e estratégias. Atual presidente do Conselho do Banco Santander, Fábio Barbosa usa a interessante metáfora das teclas on e off para ressaltar essa ideia: um líder precisa ser ele mesmo, integralmente, no trabalho, como é em família ou no convívio com os amigos. Não pode “ligar” ou “desligar” atitudes e valores éticos conforme as circunstâncias e situações da vida, ou os seus comandados terão todo o direito de desconfiar do propósito de sua pregação pela sustentabilidade. Valores são construídos ao longo de uma vida com base nos estímulos recebidos em casa, na escola e no grupo social mais próximo. Definem as escolhas.
(2) Eles compreendem a noção de interdependência entre os sistemas produtivo, ambiental e o social
Não se trata aqui do conceito do triple bottom line – até porque, desvirtuado de sua original definição, ele tem servido muito mais como mote de mantra corporativo para empresas que nem remotamente o estão praticando para valer. Compreender a noção de interdependência vem antes disso. Está na base de um modo diferente de pensar e fazer negócios menos “empresocêntrico” – mais respeitoso, menos arrogante –, segundo o qual as empresas não estão acima da natureza e da sociedade. E, por consequência, dependem do equilíbrio gerado pela conjugação de lucro consistente, proteção ambiental e justiça social para obterem legitimidade. E se perpetuarem, até onde esta expressão faça sentido.
O melhor negócio é, portanto, aquele que é bom para todas as partes e não apenas para a empresa. Os líderes entrevistados para o livro agem movidos por essa consciência. Orientados por uma visão sistêmica, que consegue tratar como um todo integrado o que para muitos ainda são apenas fragmentos – as dimensões econômica, ambiental e social –, eles entendem a complexidade do tema, sua transversalidade e suas conexões não apenas com o negócio em si – um produto, um processo, uma estratégia – mas toda a cadeia de valor.
São, a rigor, indivíduos que já superaram, na prática, um dos quatro desafios principais propostos pelo Pacto Global da ONU, em seu relatório de 2004, “Liderança Globalmente Responsável, um Chamado ao Engajamento”: estender o propósito das empresas para além das fronteiras econômicas. Acreditam que suas companhias geram valor para a sociedade, produzindo e distribuindo bens e serviços, e também bem-estar social. E, intimamente, estão preocupados em não legar qualquer tipo de passivo para as gerações futuras.
Jogam no time definido em recente estudo do Boston Consulting Group e da MIT Sloan Management Review (Sustentabilidade e Inovação) como dos “líderes entusiastas”. Ao contrário dos que atuam no outro time, o dos “adotantes cautelosos”, cujo pensamento está focado na noção de risco e de ganhos de eficiência, os entusiastas tratam a sustentabilidade já no core business e enxergam o tema como objeto de inovação, melhorias em processos, vantagem competitiva e oportunidades de crescimento.
Em alguns casos, como não estão mais na presidência executiva, mas do Conselho – exemplos de Fábio Barbosa, Guilherme Leal, Miguel Krigsner e Luiz Ernesto Gemignani –, assumem o importante papel de “zeladores” da cultura de sustentabilidade, para que o tema não deixe de ser considerado em todas as decisões estratégicas das empresas que criaram ou já dirigiram.
(3) Eles têm coragem para enfrentar dilemas e persistência para conduzir as mudanças necessárias
Em artigo escrito em agosto de 2010 para a MIT Sloan Management Review, Christoph Lueneburger, especialista em sustentabilidade da Egon Zehnder International GmbH, e Daniel Goleman, autor de Inteligência Ecológica (editora Campus Elsevier, 2009), sugerem a existência de três fases distintas para implantação da sustentabilidade em uma empresa. Cada uma delas requer diferentes competências de liderança. A primeira consiste em instalar o processo de mudança. A segunda, transformar intenções em ação.
No primeiro caso, exige-se do líder que expresse a necessidade de agir, escolhendo uma abordagem clara de sustentabilidade, relacionada ao negócio, e convocando a colaboração dos públicos de interesse para a mudança. No segundo caso, espera-se que ele seja capaz de converter compromissos em um programa de mudanças, com iniciativas e metas claramente definidas, métricas econômicas, sociais e ambientais inseridas no planejamento dos negócios. Precisa ser capaz de convencer que sustentabilidade traz resultados e representa uma vantagem competitiva.
Os presidentes entrevistados em Conversas com Líderes Sustentáveis enfrentaram as duas etapas. Não foram poucos os que resistiram às suas ideias, sob os mais diferentes argumentos – filosóficos, ideológicos, organizacionais, mercadológicos e operacionais. Sem abrir mão de suas convicções, e sabendo dos obstáculos culturais para a aceitação do “novo”, confrontaram – e ainda confrontam – o ceticismo dos outros com serenidade, tolerância e uma incrível capacidade de persuasão.
Com a mesma determinação, lideraram processos para colocar a sustentabilidade no coração do negócio, aceitaram a incorporação dos custos das externalidades e enfrentaram dilemas verdadeiros como o do curto prazo versus longo prazo, e também falsos, como o de que negócios sustentáveis não são rentáveis.
* Ricardo Voltolini é publisher da revista Ideia Sustentável e diretor da consultoria Ideia Sustentável.
Twitter: @ricvoltolini
Topblog: http://www.topblog.com.br/sustentabilidade
** Publicado originalmente na Ideia Sustentável.