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Perfil social se firma como renda nas microfinanças

Participantes do V Fórum Internacional de Microfinanças, realizado em Caracas. Foto: Estrella Gutiérrez/IPS
Participantes do V Fórum Internacional de Microfinanças, realizado em Caracas. Foto: Estrella Gutiérrez/IPS

 

Caracas, Venezuela, 22/7/2013 – As microfinanças têm uma essência social, mas com sua expansão para serviços diversificados para os excluídos do sistema convencional o setor se viu obrigado a reforçar, com novos códigos e práticas, a mensagem de que seu objetivo é as pessoas, em particular os pobres. O V Fórum Internacional de Microfinanças, realizado em Caracas, debateu a aplicação e medição dos novos Padrões Universais para a Gestão de Desempenho Social (GDS), com os quais o setor se muniu para garantir, em suas práticas internas e na relação com os clientes, seu perfil social, cuja missão é “mudar vidas”.

“O fato de dar crédito a pessoas da base da pirâmide social não te faz necessariamente social. Não basta isso, a realidade exige mais”, explicou à IPS o chefe de projetos de Ativo Social do peruano Mibanco, Mario Medina, um dos palestrantes do Fórum. Esse algo a mais “exige boas práticas em toda a atividade, desde as cobranças e o apoio aos clientes até o trato com os empregados”, pontuou Medina, cuja instituição é uma das mais reconhecidas da América Latina no apoio a microempreendimentos e que concede 90% de seus créditos sem garantias.

“Era necessário enfatizar que o social também é uma renda, um resultado, que o benefício não é apenas financeiro”, afirmou, por sua vez, Micaela McCandless, coordenadora de atividades da GDS em Ação, uma organização mundial que promove a inclusão financeira e cuja sede central fica na cidade de Boston, nos Estados Unidos. McCandless detalhou à IPS que “a criação de padrões universais e claros para medir o desempenho social foca tudo nas pessoas e faz com que todas as áreas da instituição, incluída a financeira, pensem no cliente, nos serviços que precisa, e também nos empregados, muito importantes dentro do conceito de responsabilidade”.

O Fórum foi organizado pela Bangente, uma entidade venezuelana de microcrédito que atende pessoas que, por seu nível escasso de renda, “não são visíveis para as instituições comerciais e nem têm possibilidades de entrar nelas, mas que com apoio financeiro e de capacitação conseguem mudar sua vida”, explicou à IPS seu presidente, Juan Uslar. Neste encontro, realizado no dia 16, e em reuniões, nos dois dias posteriores, dos expositores internacionais com operadores e clientes venezuelanos de microcrédito, foram trocadas experiências de introdução na atividade financeira em microescala dos seis padrões estabelecidos em 2012.

Os padrões foram acordados pelo Grupo de Trabalho do Desempenho Social (SPTF), integrado por líderes de todas as partes do setor: doadores e investidores multilaterais ou privados, provedores de assistência técnica, operadores nacionais e regionais, agências qualificadoras, especialistas e beneficiários. Laura Foose, diretora desse grupo, afirmou que os padrões “são um novo começo para as microfinanças, porque gera um incrível impulso em favor de colocar o cliente no centro de nosso trabalho”.

O SPTF foi criado em 2005 por várias organizações multilaterais, especialmente o Grupo Consultivo de Ajuda à População mais Pobre (CGAP) do Banco Mundial, que estima em 2,5 bilhões as pessoas sem possibilidades de serviços financeiros acessíveis, quando estes são um elemento essencial para superar a pobreza. Os padrões utilizam o trabalho de iniciativas precedentes, como os Princípios de Proteção ao Cliente promovidos pela The Smart Campaign para definir, medir e certificar a dupla rentabilidade: social e financeira. A campanha foi lançada em 2009 por líderes de microfinanças de países em desenvolvimento e industrializados.

“Tivemos alertas que nos fizeram compreender que o setor entrou em uma fase muito complexa, que exigia instrumentos para que tudo seguisse articulado em torno de nosso coração: o social, as pessoas, os excluídos”, explicou Adela Sagastume, gerente de Planejamento e Mercado da Fundação Gêneses Empresarial, da Guatemala. Há instituições de microcrédito que evoluíram para banco formal, enquanto os mercados de capitais agora são os maiores financistas, em lugar dos doadores, acrescentou à IPS esta outra palestrante no Fórum, cuja fundação proporciona 92% de seus créditos e serviços à área rural, 67% a mulheres e 62% a indígenas.

“Para quem nasceu com o objetivo de erradicar pobreza, melhorar condições de vida, gerar mudanças positivas nos clientes, em seus empreendimentos, suas famílias e comunidades, sempre preocupou a rentabilidade social. Mas os padrões nos dão conceitos claros e objetivos definidos, e isso facilita muitíssimo a gestão”, explicou Sagastrume. Além disso, prosseguiu, “foca cada membro da instituição e seus clientes em que estes são os objetivos, para quem e porquê se faz cada coisa. As diretrizes, os recursos humanos, o serviço ao cliente, o setor financeiro, o mercado, todos se alinham com esse enfoque e isso ajuda na convergência de esforços e propósitos”, ressaltou.

No novo cenário, reenfocar os indicadores no social “é determinante”, observou Medina. “O que não se mede, não se melhora, e só quando se começa a medir práticas e resultados é que se abre um novo e amplo espectro de aspectos e se pode melhorar em favor das pessoas”, afirmou o representante do Mibanco. Esta entidade também foi além, para incorporar a “tripla rentabilidade” em suas práticas, metas, medições, monitoramento e balanços. “Também incluímos o componente ambiental como um requisito nos créditos e serviços, tanto para a instituição quanto para os clientes, porque sem ele não há desenvolvimento sustentável”, destacou.

McCandless destacou que os três primeiros padrões são “definir e monitorar objetivos sociais, assegurar o compromisso da junta diretora, gerência e empregados com os objetivos sociais, e tratar os clientes de maneira responsável”. A eles se somam “desenhar produtos, serviços, modelos e canais de distribuição que respondam às necessidades e preferências dos clientes, tratar os empregados de modo responsável, e equilibrar o desempenho social e financeiro”.

A representante da Ação explicou que se decidiu fixar os padrões nas práticas de gestão e não nos resultados sociais. “A experiência demonstra que, se uma instituição se foca em equilibrar suas práticas de gestão financeira e social, ocorrem bons resultados financeiros e sociais”, destacou, acrescentando que “ainda não há dados semelhantes para definir e medir padrões para o impacto no cliente”, mas aventurou que no futuro se poderia criar referências universais para monitorar esse resultado. Envolverde/IPS