Gafsa, Tunísia, 29/8/2012 – Há um ano Salim, de 23 anos e originário desta cidade do centro da Tunísia, decidiu abandonar seu país com destino à Europa, com a ajuda de uma rede de traficantes de pessoas. Salim se converteu em chefe de família há três anos, depois que seu pai, madeireiro, morreu de câncer de pulmão. Gafsa foi historicamente uma cidade rica, mas a maioria de seus habitantes se dá por contente se conseguem ganhar dez dinares (menos de US$ 6) ao fim de um duro dia de trabalho. Para os jovens da Tunísia, a emigração ilegal parece ser a única saída de um ciclo de pobreza e falta de oportunidades.
Os traficantes carregam as pessoas em pequenos barcos na cidade portuária de Sfax, 270 quilômetros a sudeste da capital do país, e os levam à ilha italiana de Lampedusa, habitada por 4,5 mil pessoas e a apenas cem quilômetros da costa tunisiana. “No dia 3 de julho do ano passado, poucos meses depois da revolução em meu país, parti para a Itália junto com outras 98 pessoas”, contou Salim à IPS. Aproximava-se o mês sagrado muçulmano do Ramadã. Colocaram todos os emigrantes em um contêiner em Gafsa.
“Os traficantes nos disseram para não levarmos nenhum pertence. Chegamos à costa de Sfax tarde da noite. Não conseguíamos enxergar nada à nossa volta, e fomos atacados por outras pessoas com facas e machados que queriam que seus familiares também entrassem no pequeno bote”, detalhou Salim. “Depois dessa terrível experiência, justamente quanto nos aproximávamos de Lampedusa, fomos avistados por um avião da Cruz Vermelha. Os trabalhadores humanitários nos levaram para a ilha, nos deram alimentos, cobertores e roupa”, acrescentou.
O jovem contou que foram muito bem tratados pelas autoridades italianas, mas que sofreram muito nas mãos de soldados tunisianos depois de serem deportados para Sfax. Tiveram as mãos amarradas com cordas, foram insultados e interrogados em separado antes de voltarem para suas casas. Somente em 2008, cerca de 31,7 mil imigrantes chegaram até Lampedusa, 75% a mais do que no ano anterior, segundo o Ministério do Interior da Itália.
No ano passado, depois da revolução de janeiro na Tunísia que acabou com o regime de Zine el Abidine Ben Ali (1987-2011), cerca de 44 mil pessoas tentaram fugir para a Itália. Aproximadamente 25 mil eram da Tunísia, mas também havia emigrantes da Líbia, Nigéria, Chade e de outras partes da África. Foi “uma perigosa viagem à esperança e à vida digna”, afirmou Salim.
Após visitar a Tunísia em junho, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos dos imigrantes, François Crépeau, reivindicou o direito das pessoas de abandonarem seu país de origem, como estipula ao Artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Ao serem enviados de volta aos seus países, os imigrantes recebem promessa de apoio e emprego. Mas, um ano depois de ter retornado à Tunísia, Salim continua sem a assistência formal do governo. Ele considerou lamentável que seu país, o primeiro a ser cenário da chamada Primavera Árabe, não tenha conseguido mudar suas políticas destinadas aos pobres. “Talvez os jovens, como nós, devam promover uma segunda fase da revolução”, afirmou.
“Meu filho não terminou a escola secundária porque seu pai precisava de ajuda no negócio da madeira”, contou à IPS a mãe de Salim, Aicha, de 58 anos. Ela trabalha na cozinha do hospital Gafsa, mas seu salário e o de Salim juntos não chegam a 120 dinares (US$ 74,5) por mês, insuficientes para alimentar adequadamente sua família de cinco pessoas. “Deixá-lo partir não foi fácil. Eu continuei trabalhando e economizei para lhe dar uma parte do dinheiro da viagem à Europa, pois estava convencida de que essa era a única forma de sair da pobreza e das penúrias”, explicou Aicha.
Zaki, morador de Gafsa, de 24 anos, tem uma história semelhante. Emigrou para a Europa seguindo a mesma rota que Salim, em agosto do ano passado, sobretudo para que sua filha pudesse terminar a escola secundária. “Era uma boa estudante. Não queria que terminasse como prostituta”, contou à IPS. Zaki lamentou as desesperadas condições e vida na Tunísia. “Viver no acampamento de Lampedusa é melhor do que viver desempregado em Gafsa”, observou.
“Não existe absolutamente nada de emprego em Gafsa para jovens como eu. Fiz todo tipo de trabalhos difíceis e raros, mas sem resultado. Portanto, minha mãe e meus amigos me ajudaram a ir a Sfax, pagando mil dinares (US$ 621) para fazer a viagem à Europa de barco”, declarou Zaki. Ele viajou em um caminhão de transporte de pescado junto com outras 120 pessoas, embora o veículo só tivesse espaço para 45. Muitas ficaram doentes ou morreram asfixiadas no trajeto.
“Tivemos todo tipo de problema, como ataques de grupos armados, falhas na bateria do barco e incêndio do motor”, recordou Zaki. Ele foi enviado de regresso à Tunísia, e sua família não tem opção a não ser reembolsar os empréstimos que fez para ajudá-lo. Perguntados se voltariam a ser “harraga”, gíria do norte da África para se referir aos que emigram ilegalmente para a Europa, Salim e Zaki responderam não ter opção.
“A gente chega a um ponto em que seu coração vai morrendo. A única vez em que me senti feliz e cheio de esperança foi durante minha curta permanência na Itália”, destacou Zaki. “O duplo discurso do governo e dos funcionários me deixa doente. Preenchemos um monte de formulários e de solicitações, pagando taxas altas, para obter um visto legal. O mesmo ocorre na hora de procurar emprego: nossas solicitações simplesmente ficam nas gavetas e são esquecidas”, ressaltou Zaki. Envolverde/IPS