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Permafrost derrete e ameaça aldeias suíças

Guttannen, Suíça, 4/7/2012 – O derretimento das geleiras é o efeito mais visível do aquecimento global nos Alpes suíços. Já o permafrost não se vê, mas também derrete, causando avalanches de escombros e pedras que colocam em perigo as aldeias da região. O permafrost (solo permanentemente congelado) é uma camada do subsolo, rochoso ou não, que sempre mantém temperatura de zero grau ou menor. O gelo é um ingrediente possível, mas não necessário.

Guttannen, de 310 habitantes, é uma pequena aldeia nos Alpes de Berna, a última por onde passam os viajantes a caminho da passagem de Grimsel. Na primavera, a neve desaparece das empinadas ladeiras. Como a passagem continua fechada, reina a calma no pitoresco centro da aldeia. Apenas os chocalhos no pescoço das vacas e o som do rio Aar, que fica próximo, quebram o silêncio. Porém, para alguns habitantes, viver em Guttannen se tornou bastante incômodo e, no longo prazo, inclusive perigoso. A causa do perigo está mais acima, no flanco nordeste do Monte Ritzlihorn, de 3.282 metros de altura.

Em julho de 2009, houve um enorme desprendimento de pedras e, desde então, a cada verão os escombros caem em grande quantidade. “Os deslizamentos de lama e o volume de escombros que transportam aumentam de ano para ano”, contou Nils Hählen, engenheiro hidráulico do serviço de obras públicas do cantão. “Parte dos escombros acabam no Aar, ampliando seu leito”, afirmou. Em três anos esses materiais acrescentaram 630 metros cúbicos no rio, o que coloca em risco a infraestrutura civil.

Quando chove forte no verão, a única estrada que atravessa o estreito vale deve ser frequentemente fechada. Uma casa próxima ao rio já precisou ser desmantelada, e a estação local de tratamento de esgoto pode ser a próxima. Desde 2010, o deslizamento de escombros chega, inclusive, até o povoado de Boden, onde há dez casas e 30 habitantes. “Os próximos deslizamentos de lama serão um grande problema”, advertiu o chefe do conselho de Guttannen, Hans Abplanalp. Algumas casas estarão em perigo no prazo de dois ou cinco anos, e outras dentro de sete anos, acrescentou.

Uma das casas pertence a Martin Leuthold. “Vivo neste lugar há 60 anos, e inclusive meu pai foi agricultor aqui”, contou. Leuthold disse não ter medo, pois cresceu acompanhando as mudanças da natureza. De todo modo, não ignora o perigo. “Talvez não ocorra nada nos próximos dez anos, ou talvez neste verão tudo caia sobre nós”, afirmou.

Hans von Weissenfluh vive a menos de 20 metros do rio. “A ameaça é real”, afirmou. Weissenfluh tem viva a lembrança da impactante quantidade de água e escombros que fluíram no último verão boreal pelo Rio Aar. “Há apenas cinco anos o leito do rio era muito mais estreito”, ressaltou. Engenheiros, geólogos e especialistas em geleiras presumem que o permafrost derretido é o problema.

“A questão é que, em geral, não se sabe se há permafrost”, disse Nils Hählen. Existem mapas traçados com base no cálculo de probabilidades, mas, como explicou, em qualquer caso é preciso avaliar as coisas no âmbito local. Nas ladeiras das montanhas nordeste o permafrost pode aparecer, aproximadamente, acima dos 2.600 metros de altitude.

Os cientistas estimam que cerca de 5% dos solos da Suíça sejam de permafrost. Sua presença estabiliza as empinadas ladeiras rochosas das montanhas elevadas e as protege da erosão, servindo como uma espécie de cimento natural. Quando derrete, pode ocorrer desprendimentos de pedras e avalanches de escombros. “As áreas mais baixas do permafrost são as mais vulneráveis”, explicou Hählen. A causa do derretimento é o aumento da temperatura do ar, medida nos últimos anos nos Alpes, indicou.

Segundo a especialista em geleiras Jeannette Nötzli, da Universidade de Zurique, a atmosfera e o permafrost subterrâneo não costumam estar diretamente vinculados. O conteúdo de gelo e as mudanças na cobertura superficial podem mascarar sinais atmosféricos. Nötzli, que dirige o Escritório de Coordenação da Rede Suíça de Controle do Permafrost (Permos), disse que, “como a observação sistemática por parte do Permos começou em 2000, a maior parte de nossos dados cobre uma década, e para fazer afirmações sólidas sobre tendências em ciência climática é necessário um período de 30 anos”.

“Entretanto, acrescentou a especialista, boa parte de nossos dados indicam uma degradação do permafrost. Por exemplo, nos últimos três anos a profundidade do estrato ativo (camada de solo que fica acima do permafrost e que se congela e descongela com a mudança de estação) aumentou a valores sem precedentes no verão em muitos pontos observados”.

Não é possível realizar previsões confiáveis sobre as alterações do permafrost. No caso de Guttannen, os especialistas limitam seus prognósticos para o ano seguinte. Hählen espera que, no longo prazo, acabe a queda de escombros do Ritzlihorn, pois definitivamente a área de captação da ladeira é limitada.

Retirar os escombros do fundo do vale e do Aar não é uma opção. É muito perigoso, e também muito caro. Além disso, na região há poucos lugares para onde levá-los. Apenas eliminar os resíduos que estão no rio custaria cerca de US$ 19 milhões, e equivaleria a carregar pelo menos 50 mil caminhões.

Para os moradores de Boden, não há muitas esperanças. Em definitivo. Terão que deixar suas casas e ir para outro lugar. Hans Abplanalp, presidente do conselho, falou com todos os envolvidos. “A maioria quer permanecer em Guttannen. Podemos oferecer-lhes terras e casas para comprar”, afirmou.

Hans von Weissenfluh pretende se mudar para Guttannen em breve. Outros como Martin Leuthold, têm dúvidas. Não lhe importaria viver em outra parte da aldeia, mas é reticente quanto a derrubar sua casa e levar todos seus pertences. “É muito trabalho”, afirmou. Ele teme não receber uma compensação completa. Seria indenizado apenas por seu estábulo se construísse um novo no lugar. “Não sei para que serve um estábulo novo se logo vou me aposentar”, ressaltou. Envolverde/IPS