Rio de Janeiro, Brasil, 31/7/2012 – “Meus filhos serão qualquer coisa, mas jamais pescadores”, afirmou o mais jovem dos dirigentes da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), o brasileiro Maicon Alexandre, de 32 anos, destacando a opinião compartilhada por seus companheiros. Um dos que coincidem com ele é Alexandre Anderson de Souza, que vive mais intensamente o drama. É que, além de ter maior responsabilidade pelo destino de seu povo pescador, sua vida pende por um fio bastante frágil.
Anderson, de 41 anos e líder do que pode ser a última geração de pescadores artesanais da Baía de Guanabara, foi alvo de vários atentados e ameaças de morte, e agora vive com escolta permanente de dois policiais militares, mobilizados por um serviço oficial de proteção impactado pela quantidade de conflitos que se tenta resolver a tiros por todo o Brasil. Esse risco nada tem de abstrato. Desde 2009, foram assassinados quatro membros da Ahomar próximos a Anderson.
Os dois últimos morreram afogados em junho, depois de serem jogados nas águas onde pescavam com mãos e pés atados, um deles com seu barco furado por tiros. A polícia ainda não esclareceu nenhum caso. “Foi uma tortura, os fizeram morrer aos poucos” no mesmo lugar de trabalho, como um aviso aos seus colegas, denunciou Anderson, uma das 30 pessoas mais ameaçadas na lista da Comissão Pastoral da Terra, órgão da Igreja Católica que anualmente divulga um informe sobre conflitos no campo brasileiro.
No ano passado, havia quase 350 dirigentes sociais em risco de vida, segundo o último informe da Pastoral divulgado em maio. Desafiar a morte somou-se à missão que a direção da Associação começa a admitir como quase impossível: preservar na Baía de Guanabara as condições ambientais para continuar com a pesca artesanal. Esta baía, em cuja costa sudoeste foi fundada a cidade do Rio de Janeiro, tem cerca de 22 mil pescadores registrados. “Mas hoje apenas seis mil famílias vivem dessa atividade”, distribuídas em cinco “colônias”, estimou Anderson.
A pesca esteve normal até 2000. “Não permitia uma vida maravilhosa, mas digna”, conseguia-se pescar até cem quilos em um dia bom, mas “hoje não se chega a dez quilos”, afirmou Paulo César, de 56 anos e na atividade desde os 11, na qual ingressou pelas mãos de seu pai e de seu avô em Magé, município ao norte da baía. Em janeiro de 2000, de um oleoduto construído entre uma refinaria e um porto da região vazaram 1,3 milhão de litros de petróleo, contaminando cerca de 50 quilômetros quadrados, equivalentes a 12% da superfície da baía, incluindo mangues, ilhas e praias.
A vida aquática não se recuperou desse golpe, segundo os pescadores, embora a Petrobras, responsável pelo acidente, alegue ter realizado estudos que comprovam o êxito do rápido esforço de descontaminação, e que em 2011 já estava recuperado o volume anterior de pescado. Contudo, a pesca na baía, rodeada pela região metropolitana do Rio de Janeiro, com 12 milhões de habitantes, está condenada também pela própria operação normal da economia petroleira que vive forte expansão nas proximidades desta cidade, segundo Anderson.
Há 16 oleodutos que cruzam a Baía de Guanabara, por onde passam petróleo, derivados e gás, entre a refinaria Duque de Caxias e armazéns e unidades processadoras instaladas em duas ilhas no centro da baía e em portos próximos. A isso somam-se embarcadouros e navios em quantidade crescente que, como as tubulações, geram “zonas de exclusão” de centenas de metros onde é proibido pescar, vigiadas por seguranças particulares que “disparam contra os barcos pesqueiros que se aproximam”, acusou Paulo César, mostrando fotos de embarcações perfuradas por disparos.
Os oleodutos, com petróleo quente para garantir sua fluidez ou muito frio para transportar gases, fazem variar muito a temperatura da água, afugentando os peixes. O mesmo efeito produz o barulho e a trepidação desses equipamentos, pelos quais se bombeia o petróleo a alta pressão, explicou Anderson. O Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, cuja inauguração está prevista para 2015, ampliará essa infraestrutura e a atividade petroleira na Baía de Guanabara.
Sua localização no município de Itaboraí, nordeste da região metropolitana, se justifica pela infraestrutura logística local e pela “sinergia” com unidades da empresa já existentes do outro lado da baía, segundo dirigentes da Petrobras, também dona do projeto, que compreende uma refinaria para 165 mil barris diários de petróleo e sete unidades petroquímicas.
A essa contaminação acrescenta-se a produzida pelo esgoto urbano e de numerosas indústrias menores vizinhas, que vem se acumulando e crescendo junto com a quantidade de habitantes da região. Um programa de descontaminação da baía custou muitíssimo dinheiro sem que se obtivessem bons resultados. A Ahomar, com seus 1.873 sócios e sua pobre sede na praia Mauá do município de Magé, enfrenta poderes “muito desproporcionais” para suas forças, afirmou Anderson, referindo-se à Petrobras – que em 2011 ficou em 23º entre as maiores empresas do mundo, segundo a revista norte-americana Fortune – e a outros interesses petroleiros.
Sua mobilização, porém, mostrou força em abril de 2009, quando os pescadores bloquearam, com seus pequenos e numerosos barcos, a instalação de um novo oleoduto. Durante a manifestação, Anderson sofreu um atentado a tiros e, três semanas depois, o tesoureiro da Ahomar, Paulo Santos, foi torturado e executado diante de sua família. “Somos uma espécie em extinção”, resumiu. Ele, como seus companheiros, descende de uma família de pescadores de vários séculos. “Os camarões saltavam na praia”, recorda Ezelina Moren, lamentando o desaparecimento dos crustáceos que capturava desde criança. Aos 58 anos, tem seis filhos, três deles pescadores. “Mas meus netos não o serão”, afirmou.
Anderson de Souza se converteu em uma referência internacional entre afetados por projetos de hidrocarbonos. Convidado a visitar locais de conflito, esteve na Argentina, Colômbia e no Equador, onde a Petrobras desistiu de explorar jazidas no Parque Nacional Yasuní, diante da oposição indígena. Além disso, participou de uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, e levou sua experiência a colegas pescadores de vários Estados brasileiros que enfrentam pressões semelhantes.
Ao redor do Rio de Janeiro, a tradição pesqueira de séculos também parece chegar ao fim. Na Baía de Sepetiba, extremo oeste da cidade, a pesca profissional “não vai durar mais que cinco anos”, disse Isac de Oliveira, presidente da Associação de Pescadores de Pedra de Guaratiba, um bairro local. Esta antiga praia, “onde jogávamos futebol”, foi coberta por 1,5 metro de lama, contou à IPS, enquanto mostrava na enseada todo um sintoma da deterioração ambiental. Um porto de exportação de minérios e produtos siderúrgicos mais um polo industrial próximo provocaram essa sedimentação e o desequilíbrio ecológico, afirmou.
Isac, porém, formou um discípulo de 17 anos. “Trabalha comigo desde que tinha oito” e tem a vocação típica dos pescadores, observou. Ao completar 18 anos, terá o registro profissional para que no futuro “possa dizer que foi pescador, preservando a memória” de uma tradição da Baía de Sepetiba, ressaltou. Envolverde/IPS