Especialistas em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí revelam em entrevista que o Estado não está acompanhando a tendência mundial de desenvolvimento territorial, industrialização, preservação ambiental, desenvolvimento urbano e sustentabilidade. Para o professor doutor Antonio Cardoso Façanha, coordenador do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí, o Estado não usa a seu favor o fato de ser um dos últimos no processo de industrialização do Brasil, no qual poderia aprender com os erros cometidos dos demais Estados. Para a professora Bartira Araújo, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, empresas instaladas no Piauí ainda usam a preocupação de gestão ambiental apenas como ferramenta de marketing e promoção. Os dois afirmam que o Piauí ainda padece de uma política ambiental coordenada, na qual governos municipais e do Estado trabalhem a prevenção de problemas que vão desde políticas que garantam industrialização acompanhada do desenvolvimento sustentável até a fiscalização do lixo hospitalar nas cidades de maior porte. “Ressalto que nós já temos há muito tempo este discurso de que com a chegada da indústria no município e no Estado, ela traz automaticamente o desenvolvimento. Este é um discurso muito forte. E um discurso onde se confunde a palavra crescimento com desenvolvimento”, afirma Façanha.
Katya D’Angelles – O fato de o Piauí, no que diz respeito a desenvolvimento, estar atrasado em algumas áreas pode ser revertido de forma positiva, vendo no que os outros Estados erraram e tentando não repetir os erros. Isto se verifica no binômio industrialização e meio ambiente?
Bartira Araújo – Isto não ocorre no Piauí. Às vezes não se comete os mesmos erros como se comete erros mais graves do que os que já ocorreram em outros Estados. Em relação à questão ambiental no Piauí, as empresas não costumam divulgar muito as suas ações de gestão e preservação ambiental, por isto não temos como medir isso. Uma das empresas que acompanhamos em Teresina é a Ambev. Estivemos lá e verificamos que lá as coisas estão bem encaminhadas. Eles têm projetos de reutilização e uso de combustíveis alternativos e energia limpa, mas no Piauí a maioria das empresas ainda utiliza a questão ambiental apenas como estratégia de marketing. Outras empresas de grande porte na capital, por exemplo, têm um processo produtivo muito fechado e de difícil acesso para pesquisadores.
K.D. – Isto pode representar um problema para a política de planejamento ambiental do Estado?
Antonio Façanha – Esta é uma prática que não se admite mais no contexto atual, enquanto nós estamos no mundo e no Brasil construindo práticas sólidas de preservação ambiental, valorizando uma industrialização de escala menor, de uma chamada economia solidária. Temos produtores avançando em práticas de produção e sustentabilidade, no Piauí o caso dos apicultores e das associações de quebradeiras de coco são exemplos disso, mas por outro lado vemos também que ainda existem empresas de médio e grande porte que não adotam estas práticas de preocupação com a gestão ambiental e da região onde estão envolvidas.
K.D. – As atuais perspectivas de industrialização no Piauí são encaradas como sinônimo de desenvolvimento?
A.F. – Ressalto que nós já temos, há muito tempo, esse discurso de que, com a chegada da indústria no município e no Estado, ela traz automaticamente o desenvolvimento. Este é um discurso muito forte. Um discurso onde se confunde a palavra crescimento com desenvolvimento. O crescimento é aumento do poder de fogo da economia local, em que ela vai ter grande capacidade, mas a grande questão é: a chegada destas indústrias se traduz realmente em um conjunto de melhorias para a sociedade? Isto é que é desenvolvimento, tem que saber se não traz somente o desenvolvimento econômico. Você pode ter uma indústria de grande porte, que gera 120 empregos e que tem condições de trabalhar com apenas 20 funcionários porque é toda automatizada. Uma empresa de grande volume de dinheiro que consegue trabalhar com poucos funcionários. O desenvolvimento é quando esse processo de industrialização trás um conjunto de melhorias para a sociedade.
K.D. – Isto ocorre no Piauí?
A.F. – Se você for verificar em alguns municípios do Piauí, você vai encontrar PIB dos municípios em que há populações extramente pobres, como o caso de Uruçuí, onde está a Bunge, e os municípios de Fronteiras e Capitão Gervásio, onde está a fábrica de cimento Nassau. São cidades com PIB por habitante que chega a ser maior que média de grandes cidades do Brasil, mas que não possuem desenvolvimento. Por conta da presença de uma unidade fabril que tem grande rendimento, quando é dividido pelo número de habitantes tem-se esta discrepância de realidade. E a gente vê que o processo de industrialização está mudando para o interior, as empresas não procuram mais as capitais ou regiões de grande porte, procuram as cidades do interior.
K.D. – Se na capital o acompanhamento e fiscalização da política de gestão ambiental é difícil como fica a situação no interior?
B.A. – Tudo deve começar a partir da elaboração dos planos diretores destes municípios. A partir do momento em que ele é estruturado, fica mais fácil até mesmo para a própria sociedade passar a cobrar e a fiscalizar. Não adianta exigir apenas dos órgãos públicos, tem que ser uma associação. Tem que exigir das empresas, dos Estados e a da própria sociedade. O plano diretor, ele permite isto, a ideia de se construir um plano diretor é de se ouvir todos os agentes e, a partir disto, se exige um conjunto de metas que têm obrigações para todos. Antes, a exigência do plano diretor era para cidades com mais de 20 mil habitantes, mas hoje não, ele deve ser feito por cidades de menor porte.
K.D. – Que tipo de consequências ilustram esta ausência?
A.F. – É bom salientar que, quando uma empresa chega em uma cidade pequena, ela não tem um direcionamento porque não há um plano diretor. Então o que se vai fazer com os resíduos? Os municípios não possuem nenhuma direção de gestão ambiental. É bom lembrar que com este processo se gera uma demanda de serviços. Um exemplo é a questão da saúde, com a instalação de clínicas e os resíduos destas clínicas são jogados na natureza. O problema do lixo hospitalar no interior do Piauí é muito sério. Em Municípios como Paranaíba, Picos, Floriano e São Raimundo Nonato há sérios problemas, pois apresentam maior crescimento. E um plano diretor com o capítulo meio ambiente pode evitar tudo isso. A questão deve ser aliar o plano diretor dos Municípios a uma política estadual.
K.D. – Hoje, quais são as atividades que mais agridem o meio ambiente no Piauí?
B.A. – Um setor que tem se destacado muito é o da construção civil, principalmente na capital. Tanto no que diz respeito a obras públicas como obras da iniciativa privada. A construção civil causa danos grandiosos que não são percebidos em curto prazo. Um exemplo é o caso da extração de materiais que temos em Teresina. Estamos vivenciando os resultados de uma exploração sem fiscalização que prejudicou os rios Parnaíba e Poty. A extração de areia durante muitos anos não foi alvo de nenhuma regulamentação, foi somente a partir da ação do Ministério Público e da pressão da sociedade, há bem pouco tempo, que a extração de areia no rio foi regulamentada.
* Publicado originalmente no blog Meio Ambiente do Piauí.