Com a iminência do lançamento no mercado brasileiro do primeiro carro de três portas, mais uma vez fica ressaltado o elevado potencial inovador do mercado automobilístico. Independente de gostarmos ou não, a concepção de um carro desse tipo pode ser considerada apenas mais uma das diversas inovações que a indústria automobilística vem trazendo ao mercado. Desta vez, entretanto, uma mudança estética e funcional relativamente simples e banal, associada ao aumento da segurança dos usuários, alcança um novo patamar de inovação: o da real mudança de paradigma.
Num momento de mudança como este, é importante destacar a necessidade de que, em paralelo à quebra de paradigmas no que se refere a conforto e segurança, a sustentabilidade também tem de continuar avançando nesse setor. Afinal, esse é justamente um dos segmentos em que é preciso acontecer uma das maiores quebras de paradigmas da nossa sociedade – a descarbonização dos sistemas de transportes.
É amplamente aceito que a indústria automobilística é atualmente um dos setores mais inovadores do mundo. Tal característica mercadológica deve-se basicamente a dois fatores principais. De um lado, a elevada competitividade do mercado, que força as inúmeras companhias a diferenciarem-se em busca de atratividade, conquistando e reconquistando consumidores, numa luta infindável dentro de um contexto altamente dinâmico de lançamentos mensais e modelos e versões cada vez mais atraentes. Este é o caso de um carro de três portas.
Do outro, está a pressão por respostas efetivas dessa indústria ao grande impacto ambiental que causa, considerando seus processos produtivos e, principalmente, a própria utilização dos veículos e acessórios. Neste sentido, dois pontos comandam as discussões: a eficiência energética dos veículos e a fonte energética que movimenta seus motores. E principalmente aqui se concentram paradigmas que podem revolucionar não só a indústria automobilística como também todo o setor de transporte e mobilidade.
Superados os traumas causados pelo fracasso do Proálcool nas décadas de 1970 e 1980, hoje o mercado automobilístico brasileiro é composto predominantemente por veículos do tipo flex, fazendo com que o consumidor brasileiro entenda e reconheça seu poder de escolha quanto ao tipo de combustível a usar e consiga influenciar diretamente seus preços e seus impactos ambientais.
Ainda que, neste momento, essa decisão do consumidor seja baseada principalmente na análise econômica de custo-benefício, a tendência é que ocorram mudanças no futuro. A perspectiva é que, até o fim da década, haja um processo de amadurecimento dos consumidores em favor da sustentabilidade. De qualquer forma, a consciência de alguns já começa a contribuir substancialmente para a redução do impacto que a indústria automobilística gera no quadro de mudanças climáticas, visto que é a quarta maior fonte geradora de gases de efeito estufa no mundo e a terceira no Brasil.
Como o setor de transportes permeia diversos segmentos da economia, o papel das empresas nesse cenário é de suma importância. Elas são agentes de mudança para uma economia de baixo carbono. Isto pode ser feito por meio do aumento de eficiência na gestão da cadeia de suprimentos e, principalmente, na gestão de frotas, mantendo a convergência entre os fatores econômicos e ecológicos.
Esse processo deverá ganhar ainda mais força com a efetiva utilização de outras alternativas de fontes energéticas e tecnologias, lembrando que tão importante quanto a fonte energética é a sua eficiência na conversão de energia. Sendo assim, somente quando o carro elétrico, o carro movido a hidrogênio ou o carro híbrido forem, minimamente, tão eficientes energeticamente e tão interessantes economicamente quanto o carro flex, eles se tornarão opções reais de escolha para os consumidores.
É nessa perspectiva de evolução que a indústria automobilística deverá ser pilotada, rumo a uma clara transição para uma atividade econômica de baixo carbono, a qual tem potencial de, ainda em meados deste século, culminar na completa descarbonização do setor de transporte e mobilidade – seja ela absoluta ou no contexto de um ciclo de vida carbono zero.
Assim, embora a indústria automobilística seja de fato extremamente avançada tecnologicamente e altamente inovadora, é óbvio que a dificuldade de superação de um paradigma funcional é significativamente menor que a superação de profundos paradigmas tecnológicos e energéticos. Em paralelo a procedimentos meramente estéticos ou de grande importância em termos de aumento da segurança, é memorável que a indústria também siga em busca da descarbonização de sua atividade.
Ao rumar no sentido da descarbonização, o setor de transporte e mobilidade começa a desbravar sua corrida para a superação de um paradigma ainda mais desafiador: a mobilidade sustentável. Alinhada efetivamente à sustentabilidade, a mobilidade sustentável será capaz de considerar as opções de modais de transporte, suas fontes energéticas e sua adequada condução de modo a oferecer, tanto para as pessoas como para seus bens, infraestrutura e operação economicamente viáveis de transporte otimizado e seguro, ao mesmo tempo em que reduzirá substancialmente os impactos socioambientais negativos, de curto e longo prazos.
* Paulo Camargo é consultor associado da Keyassociados Soluções Sustentáveis (www.keyassociados.com.br). Rodrigo Somogyi é gerente de Inovação e Sustentabilidade na Ecofrotas (www.ecofrotas.com.br).