Trípoli Líbia, 17/7/2012 – “A situação dos direitos humanos na Líbia agora é muito pior do que durante o regime de Muammar Gadafi” (1969-2011), afirmou o ativista Nasser al-Hawary, do Observatório Líbio para os Direitos Humanos, que apresentou à IPS depoimentos de famílias cujos parentes foram golpeados até a morte pelas milícias que continuam controlando vastas áreas do país. “Pelo menos 20 pessoas foram golpeadas até a morte, estando sob custódia das milícias, desde a revolução, e isso é uma estimativa conservadora. Provavelmente, o número real seja muito maior”, ressaltou o ativista, mostrando fotos de corpos ensanguentados que acompanhavam os testemunhos.

Hawary nunca foi simpatizante de Gadafi. Pelo contrário, pertenceu ao ramo salafista (integrista) do Islã e se opôs ao seu regime, razão pela qual foi preso várias vezes. Porém, muito pior foi o destino de vários de seus amigos muçulmanos. O regime de Gadafi perseguiu com fúria o fundamentalismo islâmico. Finalmente, Hawary conseguiu fugir para o Egito, onde viveu até a guerra civil de fevereiro de 2011, que terminou com o regime. A partir de então, ele e muitos outros islâmicos regressaram à Líbia.

Após a “libertação” do país, no entanto, continuam os excessos, os assassinatos e os ataques vingativos contra ex-partidários do regime e contra subsaarianos negros, os quais muitos ainda relacionam com os mercenários contratados por Gadafi durante a guerra.

Há vários meses, Mohammad Dossah, de 28 anos, foi sequestrado em um posto de controle das milícias na cidade de Misrata, quando trabalhava como o motorista para seu empregador da Forrestor Oil Company, a quem transportava da cidade de Ras al Amoud para Trípoli. “Não sei se está vivo ou morto. Não sabemos dele desde que desapareceu no posto de controle da milícia, e a polícia que investiga admitiu ter pedido seu rastro”, contou à IPS o irmão da vítima, Hussam Dossah, de 25 anos.

No começo, a polícia conseguiu rastrear o carro por várias cidades até o leste do país, mas em seguida ficou sem pistas. Não se voltou a ouvir sobre Muhammad, e a família não tem ideia do que pode ter acontecido com ele. “Pode ter sido sequestrado por ser negro, ou porque os milicianos queriam o carro que dirigia. Somos líbios, mas meu pai é do Chade”, explicou Hussam. Este é apenas um dos vários casos de sequestros, assassinatos ao acaso e roubos, enquanto as milícias continua fazendo justiça com as próprias mãos.

Apesar de o Conselho Nacional de Transição (CNT) prometer julgar ou libertar mais de seis mil pessoas que estão detidas, apenas algumas receberam a liberdade, enquanto as atrocidades cometidas por muitos rebeldes permanecem impunes. As milícias que controlam as ruas e aplicam sua própria versão da lei são um problema inclusive nas grandes cidades onde o CNT supostamente retomou o controle.

É comum ouvir disparos em Trípoli à noite, e às vezes também durante o dia. “Todos os jovens portam armas”, disse à IPS o ex-combatente rebelde Suheil al Lagi. “Estão acostumados a resolver as diferenças políticas e pequenas desavenças desta forma, ou usam armas para assaltar as pessoas. O alto desemprego e as dificuldades financeiras agravam a situação”, acrescentou.

A situação de segurança nas províncias é ainda pior do que em Trípoli. As milícias praticam extorsão contra pessoas que passam por seus postos de controle, sobretudo se são estrangeiras ou negras. Para viajar da fronteira com o Egito até Trípoli deve-se passar por vários postos de vigilância controlados por diversas milícias.

Em um posto de Misrata pelo qual passou esta correspondente da IPS, um miliciano decidiu que os estrangeiros deveriam ser submetidos a exame de aids como condição para terem de volta os documentos. Finalmente, outros milicianos intervieram e a ideia foi descartada. Em vários postos de vigilância da zona de Tobruk, os milicianos exigiram pagamento de até US$ 30 para cada um dos imigrantes egípcios que passavam por ali.

“Estamos conscientes dos problemas que nosso país enfrenta e estamos tentando resolvê-los”, disse Hassan Issa, membro do CNT na cidade de Ajdabia. “Não é fácil para nós controlar todos os grupos neste momento”, afirmou, por sua vez, Abdel Karim Subeihi, também membro do CNT, em conversa com a IPS. E o ex-combatente Lagi alertou: “Esta não é a nova Líbia pela qual lutamos. Se a corrupção e a cobiça continuarem, teremos que pegar novamente em armas, agora contra o novo governo”. Envolverde/IPS