Pitel?
Os erros de escrita são, em geral, muito reveladores, como já comentei em colunas anteriores e sempre vale a pena repetir, porque temos obsessão excessiva pela grafia correta. Os dados não param de pipocar. Vêm de todos os lados.
Os erros de escrita são, em geral, muito reveladores, como já comentei em colunas anteriores e sempre vale a pena repetir, porque temos obsessão excessiva pela grafia correta.
Os dados não param de pipocar. Vêm de todos os lados.
Encontrei por acaso o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta, de Alberto Villas (Editora Globo), também colunista do site de CartaCapital. Para quem tem curiosidade em relação a novos sentidos que as palavras de tipo gíria adquirem e logo perdem, é um excelente documento. A revista Língua Portuguesa (nas bancas), em seu número 80, publicou pequena e reveladora resenha do livro.
Mas não vou falar do tema do livro, mas só de uma palavra, “pitel”, que me fez ficar com a pulga atrás da orelha. Originalmente, é um salgadinho, informa o autor (para o Houaiss, é “iguaria saborosa”). Num certo momento, e em certos contextos, significou “mulher gostosa”, aprende-se (ou lembra-se) lendo o dicionário. Hoje, diz Villas, em vez de “pitel”, com esse sentido, se diz “delícia” (veja-se Michel Teló). O leitor pode ver que se trata de uma gíria.
Acontece que o Houaiss registra “pitéu”, não “pitel”. A pulga atrás da minha orelha era exatamente por isso: eu só conhecia a grafia com “éu”. Até por isso fui conferir. Eu podia estar seguro, mas completamente errado.
O objetivo não é criticar este ou aquele autor, este ou aquele erro. O objetivo é repetir que só se erra grafia onde se pode, que os erros são quase sempre os mesmos. Em vez de desesperar professores, isso deveria animá-los. Por que? Porque são sempre os mesmos, porque têm boas explicações (a pronúncia de “pitéu” e de “pitel” seria a mesma; especificamente: “l” em final de sílaba soa “u” em quase todo o país). Outra razão para não desesperar: mesmo profissionais erram, e também eles nos lugares esperados.
O bom desse fato é que pode ajudar a ver melhor, com mais objetividade, como é nossa língua, a língua real, a partir da qual fazemos esforços para dominar quase outra: a língua escrita culta.
Lendo, observando as palavras, comparando a escrita de quem está aprendendo com a que está nos livros, aos poucos (mas nem tão devagar assim, se fizermos isso sempre), a escrita também se torna nossa.
* Sirio Possenti é professor da Unicamp e autor de Por Que (Não) Ensinar Gramática na Escola e Os Humores da Língua.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.




