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Planet of Humans: as energias renováveis estão no alvorecer de sua história (Parte 4 - final)

por Samyra Crespo, especial para a ECO21 – 

Um amigo, Eduardo Florence, disse que, cada vez mais busca, em suas ações, se perguntar por quê? Para quem? E só aí – como?

Pois bem, na minha opinião, na última década temos nos preocupado com o “como”: viabilizar, ampliar, ser eficiente, otimizar tempo e recursos. E trabalhar depressa.

Mudar o mundo pelo “como”. Um ambientalismo pragmático. O pano de fundo? A crise climática e todas as crises a ela associadas. Vamos que vamos, e de preferência, urgente.

O por quê, parecia óbvio: o agravamento do aquecimento global, um futuro inóspito e possivelmente incerto para a humanidade.

Mas o diabo mora nos detalhes e a ciência nos ensina, no seu consagrado método – a buscar o tempo todo a contra prova, a refutação da própria teoria. Ou seja, não tem ciência sem crítica.
Já o campo das ideologias, seja qual for a bola da vez – como dizia Cazuza em sua canção – “Eu quero uma pra viver” – a crítica não é bem vinda. É o reino das prescrições e das tautologias. Busca-se o convencimento com uma bandeira que jamais pode ser questionada. Com fé e convicção buscamos o sucesso da utopia que acalentamos, não enxergando os bodes na sala.

Pois bem, o documentário Planet of the Humans mostra os bodes e o acúmulo é razoavel. A sala (o contexto) e a utopia (o por que de tudo, afinal) ficam descoloridos e sem graça.

O que fazer?

Não tenho nenhuma dúvida sobre a necessidade de se abandonar os combustíveis fósseis como base energética de nossas sociedades.

Na raiz, não é recurso renovável. Na política, gerou e ainda gera guerras fratricidas horrendas. Na geopolítica, separa mundos. Nas cidades, criou o império do automóvel e do ar irrespirável. No meio ambiente, polui e erige monstros de feiúra (quem pode achar bonita uma máquina de prospecção ou uma plataforma no mar, ou um navio tanque singrando os oceanos?). E sua queima é um desastre, em termos do C02 lançado na atmosfera, agravando o aquecimento global. Seus derivados, entre outras coisas deram origem ao plástico e deste então, nem preciso gastar minha saliva para apontar os problemas que criou para todos os seres vivos do Planeta. Dizem os especialistas que, literalmente, todos os seres vivos estão na atualidade comendo micropartículas de plásticos – com consequências imprevistas para a saúde.

Assim, é natural que nós ambientalistas, aplaudamos todas as modalidades energéticas menos agressivas que as derivadas da queima de fósseis.

A primeira alternativa viável – antes que mostrasse todo o seu potencial perigoso e mutagênico, foi a energia nuclear.

Nos anos 80′ – depois do desastre de Chernobyl – viu-se que a energia nuclear não era segura, e intensificaram os estudos e projetos em busca de novas energias.

Nos anos 90′ – anos otimistas, promissores para quem ansiava por um novo mundo “pós guerra fria”, pós materialista, etc, começou a pipocar o entusiasmo pelas chamadas energias limpas (que não emitem C02, nem metano), e abundantes na natureza – como a solar e eólica. Mas também se pesquisou a que é produzida pelo movimento das marés e até por forças telúricas e magnéticas da Terra .

Inicialmente caros, os equipamentos em processo de desenvolvimento (novos design e novos materiais) constrangeram grandes iniciativas. Tudo era experimentação e passível de verificação.
Para nós, o “plus a mais” era a promessa de levar energia barata e local a milhões de pessoas que vivem em áreas remotas, sem acesso às redes de energia convencional. Mitigar a pobreza sem aumentar a demanda por energia fóssil.

Eu mesma acompanhei um projeto na Argentina que tinha como meta levar um milhão de fornos solares a comunidades indígenas e tradicionais que ainda usavam carvão e esterco seco de animais para cozinhar ou aquecer no inverno. O mesmo na Índia.

Era vice-presidente do Conselho do Greenpeace Brasil durante a campanha para levar os painéis solares para as áreas remotas da Amazônia. Em muitas destas vilas e aldeias – há apenas um gerador a diesel que fornece energia por poucas horas ao dia. Cozinha-se com lenha e gravetos secos retirados dos mangues ou córregos.

Naquele momento, o “para quem” parecia claro e indiscutível. Arregaçamos as mangas.
Com a crise de 2008 e com os preços do petróleo alcançando preços absurdos, a alternativa de um uso massificado das energias renováveis entusiasmou empresas, governos e por que não dizer, a opinião pública informada. O boom aconteceu.

Eu mesma liderei uma campanha, na Rede Brasileira de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade, de 2011 a 2013, para a adoção da energia solar em escolas, hospitais e universidades. Visitei encantada o parque eólico do Ceará, um dos estados brasileiros que mais investiu na autonomia energética.

Confesso que o barateamento dos equipamentos era o nó górdio – os empregos verdes, a cereja do bolo. Nunca nos preocupamos com o processo propriamente dito dos painéis, das turbinas ou das fazendas solares. Claro, não desejávamos uma dependência da China ou da Alemanha, da Suécia ou da Holanda, principais exportadoras dos painéis e turbinas.

Ano a ano acompanhamos a evolução no desenvolvimento dos equipamentos e da logística de implantação.

Com relação ao balanço energético, percorrendo toda a cadeia da produção, geração e distribuição da energia tanto solar como eólica, o rastreamento e a contabilidade precisam ser feitos.
Provavelmente teremos que refinar nossos instrumentos de verificação, buscar tecnologias mais brandas.

Mas, é o caso de se jogar fora a criança com a água do banho?

Decerto que não. A indústria petrolífera e o fornecimento de energia com base em fósseis tem uma longa história em seu desenvolvimento.

A história das energias limpas ou renováveis está apenas começando.

Evidentemente, a transição energética – em curso – tem seus detratores e contraria interesses. Notadamente os da indústria petrolífera (que elegeu o governo Trump) e no Brasil também os da hidroeletricidade (que merece todo um comentário à parte, que farei oportunamente)
Seus benefícios, à primeira e segunda vistas são infinitamente superiores à de outras outras modalidades. Abundantes em quase todas as regiões da Terra, renovável e com equipamentos cada vez mais baratos e eficientes, elas podem ainda cumprir a promessa que esteve no horizonte, desde o início da empreitada: nos liberar da queima de fósseis, recurso poluente e finito.

O documentário de Gibbs e Moore seleciona arbitrariamente casos de engodo e green washing que devem ser combatidos, e não contempla o contraditório. Carrega nas tintas e faz o seu ponto sensacionalisticamente. Ao agir assim, usa das mesmas técnicas dos que fabricam fake-news: meias verdades, meias mentiras. Constrange, detrata, cria antipatia quando poderia servir de crítica construtiva, edificante.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

(Este texto faz parte de uma série que escrevi especialmente para a Revista on line Eco21)