Gaza, Palestina, 23/9/2011 – A diplomacia do território de Gaza prepara uma estratégia voltada para o mundo árabe a fim de pressionar Israel, caso fracasse a proposta levada à Organização das Nações Unidas (ONU) de reconhecimento da Palestina como Estado soberano, por parte das autoridades assentadas em Ramalá. A iniciativa levada pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, à ONU será vetada, como já adiantaram porta-vozes desse governo, se chegar ao Conselho de Segurança.
Os partidos palestinos Fatah, à frente da ANP na Cisjordânia, e seu rival Hamás (Movimento de Resistência Islâmica), que controla Gaza, ainda devem implantar o acordo de reconciliação assinado no Cairo. Abbas não consultou o governo do Hamás sobre a iniciativa, embora as possíveis sanções contra a ANP possam prejudicar os 1,5 milhão de moradores de Gaza.
Gaza sofre um rígido bloqueio israelense há anos, que se agravou em junho de 2007. O território tem uma das maiores taxas de desemprego do mundo e a metade da população não tem alimento suficiente, segundo as Nações Unidas. A IPS conversou sobre a posição do Hamás com o vice-chanceler do governo de Gaza, Ghazi Hamad.
IPS: Por que o presidente Abbas decidiu promover a iniciativa na ONU?
GHAZI HAMAD: Tomou essa decisão de forma unilateral, não consultou nenhum partido palestino, nem mesmo o Hamás. Cremos que a melhor estratégia é o consenso e tomar uma decisão nacional. Abbas afirmou que continuará negociando com Israel e que o reconhecimento do Estado palestino mudará a dinâmica das conversações, pois será um Estado palestino negociando com um Estado israelense. Não estamos certos de que a ONU possa resolver esse assunto porque nunca conseguiu nada nas diferentes iniciativas para mediar o conflito. É uma manobra política que pode dar em nada. É possível que seja vetada pelos norte-americanos no Conselho de Segurança e Israel continue construindo assentamentos, e não se leve a sério o processo, nada é tangível nem pode se traduzir em fatos no terreno.
IPS: A ANP está preparada para ser um Estado?
GH: É muito difícil construir um Estado sob ocupação. Os palestinos não têm acesso a metade da Cisjordânia pelas restrições israelenses e muitas áreas estão isoladas pelos assentamentos. Como se pode construir um Estado quando as conexões geográficas entre grandes cidades, como Nablus e Jenin, estão restritas? Há 500 mil colonos vivendo na Cisjordânia.
IPS: Um Estado palestino pode tomar diversas medidas para internacionalizar o conflito. O governo do Hamás apoiará esse tipo de iniciativa?
GH: Precisamos que a ONU adote resoluções e tome decisões. Há muitas relacionadas com os palestinos sobre os refugiados, os assentamentos, o muro da Cisjordânia, mas, nenhuma foi executada. Há consenso internacional de que os assentamentos são ilegais, mas ninguém pode pressionar Israel para que deixe de construí-los. Há uma decisão de um tribunal internacional de justiça declarando que o muro de Israel é ilegal e discriminatório, mas está ali, inteiro. Os sucessivos governos de Bill Clinton, George W. Bush e o atual de Barack Obama expressaram claramente seu apoio a um Estado palestino viável, e nada acontece. A decisão de Abbas de se dirigir à ONU mostra o fracasso das negociações entre palestinos e Israel. É uma derrota para Washington que há 20 anos tenta acabar com o conflito.
IPS: Se o Hamás não concorda em negociar com Israel nem com a iniciativa na ONU, o que propõe?
GH: Se Abbas pretende mudar a dinâmica da situação, especialmente no contexto da Primavera Árabe, precisamos formular uma nova estratégia. Recorremos a outros países da região para pressionar Israel a acabar com a ocupação. O Estado judeu atua como se estivesse acima da lei, mas deve assumir sua responsabilidade. Os Estados Unidos apoiam Israel e não têm sido um mediador justo. Nos disseram que negociássemos com Israel, e o fizemos, direta e indiretamente. Washington também está descontente e frustrado e responsabilizou os israelenses pelo fracasso das negociações. Agora que decidimos levar o assunto à ONU, nos diz para negociar. É ilógico. Os Estados Unidos não são a única potência capaz de mediar as negociações entre palestinos e israelenses. Podemos recorrer à comunidade internacional, incluída a ONU, para pedir o fim da ocupação. Há uma resolução das Nações Unidas declarando que os palestinos têm direito a um Estado com as fronteiras de 1967. Israel deve respeitar as disposições internacionais e se retirar do território palestino. Buscamos apoio de nações árabes como Turquia e Egito, entre outras, que acreditam que os palestinos merecem ter seu Estado.
IPS: O Hamás é a favor, agora, de utilizar a diplomacia para resolver o conflito, além da “resistência”?
GH: Temos de criar novas estratégias e não excluímos nenhuma ação. Abbas perseguiu solitário uma estratégia de negociações nos quase seis anos no governo, e o que conseguiu? Temos de criar novas relações com os países árabes.
IPS: Há um sistema democrático de governança em Gaza. O Hamás é favorável à realização de novas eleições em maio de 2012?
GH: Os diferentes partidos e agrupações podem realizar atividades políticas em Gaza, embora haja restrições para o Fatah. Eles não deixam que o Hamás atue na Cisjordânia e temos a mesma política em Gaza. As pessoas podem criticar o governo, verá isso lendo os jornais. Não há presos políticos e existe liberdade de expressão em Gaza. O Hamás aceitou realizar novas eleições se conseguir a reconciliação com o Fatah.
IPS: Acredita que as possíveis sanções econômicas dos Estados Unidos e/ou Israel agravem a situação humanitária em Gaza?
GH: O governo dos Estados Unidos e o de Israel podem tentar pressionar a ANP para desistir de pedir o reconhecimento do Estado palestino na ONU. O Congresso norte-americano pode optar por punir a ANP e cortar fundos. Mas o orçamento do Hamás não será afetado porque não recebemos fundos dos Estados Unidos nem dos países europeus. Pagamos os salários de nossos 30 mil funcionários, às vezes com atraso, mas o fazemos. Porém, se Israel decidir fechar suas fronteiras e as passagens para Gaza, a população será diretamente afetada. As importações correm o risco de ficar mais restritas. Envolverde/IPS