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Plataformas sociais agrupam o descontentamento político na Espanha

Barcelona, Espanha, 26/6/2013 – O catalão Arcadi Oliveres, professor universitário de economia, criou moda na Espanha ao chamar as coisas por seus nomes, doa a quem doer. “Fiz uma petição para que se processe Mariano Rajoy (primeiro-ministro espanhol) por acabar com os benefícios do estado de bem-estar”, afirmou. Oliveres não está sozinho nesta missão. Junto com a monja beneditina e médica Teresa Forcades, criou uma plataforma que reúne “cidadãos indignados” com os governantes que propiciaram ou permitiram a grave crise econômica que afeta a Espanha, partidos de esquerda e setores relacionados com saúde, moradia e educação, áreas afetadas pelos cortes orçamentários praticados por Rajoy.

“Há gente boa, sã e preparada que não concorda com as decisões econômicas e o processo político atual. Nossa missão é agrupar as pessoas destes três setores e poder configurar para as eleições parlamentares catalãs de 2016 uma candidatura unitária”, explicou Oliveres à IPS. O professor culpa os dirigentes políticos que estão e estiveram no governo espanhol, sejam de centro-esquerda ou de direita, pela atual crise econômico-financeira.

A socióloga barcelonesa Anna Torres concorda com Oliveres. “Os líderes não estão ligados às pessoas, bem como não estão os partidos. Por isso os cidadãos buscam respostas em plataformas sociais”, disse à IPS. “A Europa passou por uma série de etapas e conquistou o bem-estar social, por isso seria uma pena ter de trabalhar em edifícios que desmoronam, como aconteceu em abril em Bangladesh (quando morreram mais de 1.100 trabalhadores de uma confecção) ou na China, trabalhando como escravos”, acrescentou.

Torres afirmou que a Espanha está mudando de modelo econômico. “Há crise na construção, as atividades produtivas tradicionais desaparecem e ainda não há especialização em indústrias altamente tecnológicas. Estávamos fazendo isso quando chegou a crise e agora há muita mão de obra que não é necessária”, destacou.

Oliveres explicou que sua agrupação “promove uma Catalunha cooperativa, solidária, sem exército, que ajude o Terceiro Mundo e que seja independente. Ultimamente, estive em Granada (sul), Alicante (sudeste), País Basco (norte) e, após explicar nosso programa, as pessoas querem realizar processos semelhantes”, contou o acadêmico durante entrevista à IPS, realizada na sede da Justicia e Paz, uma organização não governamental de raiz cristã da qual é presidente.

“Temos quase 40 mil adesões à nossa plataforma Processo Constituinte para a Catalunha desde que a proposta foi lançada em abril, e tantos convites para falar a respeito que poderíamos dar a volta à Catalunha 50 vezes”, ressaltou Oliveres. A Processo Constituinte é uma das numerosas agrupações e associações da sociedade civil que apareceram na Espanha desde 15 de maio de 2011, quando na Puerta del Sol, em Madri, nasceu o movimento de indignados, que por isso leva o nome de 15M.

O acampamento montado nesse lugar lançou a proposta de romper a inércia da alternância no governo entre o direitista Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), os dois maiores partidos políticos da Espanha, e acabar com a manipulação econômica das grandes corporações e bancos, entre outras demandas. Estes grupos sociais proliferam também como protesto diante das reduções de direitos e cortes em orçamentos decididos pelo atual governo do PP e frente à corrupção sem precedentes que veio à luz nos últimos anos, na qual estão envolvidos os grandes partidos, e até a família real.

Cálculos de analistas divulgados pelos meios de comunicação asseguram que é de aproximadamente US$ 7 bilhões a quantia desfalcada do erário público, em apenas 15 dos casos mais importantes dos 1.600 que tramitam atualmente nos tribunais, dos quais mil dos acusados são dirigentes políticos. Os protestos populares em uma ou outra parte do país são quase diários e alguns observadores já falam do preâmbulo de uma explosão social. Os movimentos sociais como a Processo Constituinte convocam atualmente mais gente do que os sindicatos tradicionais. A maioria deles tem o formato de assembleias e são transversais, sendo a herança deixada pelo 15M.

A imagem do protesto e da solidariedade é tão variada que até uma associação de literatos catalães, Poesia em Ação, realizou uma maratona de poesia em benefício da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), uma das associações civis mais importantes do país, que ajuda milhares de pessoas que perderam suas casas para os bancos devido à impossibilidade de pagar as hipotecas.

“O que a Poesia em Ação faz é realizar ações de caráter solidário para ajudar grupos sociais que sofrem devido à crise”, explicou à IPS o poeta e crítico literário Guillem Vallejo, presidente da entidade. “Nos dois últimos anos nos centramos em ajudar grupos espanhóis devido à situação que nosso país atravessa. Antes ajudávamos países africanos e outros do Terceiro Mundo”, contou Vallejo, que junto a 60 poetas e 80 alunos de seus painéis publicou o livro Poesia Solidária, cuja renda vai para a PAH.

“O dinheiro é coletado na maratona (12 horas seguidas de leituras de poemas, um café da manhã e um almoço solidários) e entregue à PAH para ser usado em projetos que oferecem atividades e apoio psicológico para as crianças das famílias em processo de litígio pela questão da moradia, enquanto seus pais tentam resolver os problemas legais”, detalhou Vallejo.

Diversas associações de motociclistas da Espanha se solidarizaram, no dia 23, com os mais necessitados e recolheram alimentos em uma mobilização nas Ilhas Canárias da Motociclistas Contra a Fome. O Instituto Nacional de Estatística informou que o desemprego na Espanha superou os 27% da população economicamente ativa, ou seja, mais de seis milhões de pessoas, e entre estas estão mais de 70 mil famílias nas quais nenhum integrante tem trabalho. Envolverde/IPS