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Pobreza leva mulheres a casamentos precoces

Dusambé, Tajiquistão, 7/3/2012 – Quando Kibriyo Khaitova tinha 16 anos seus pais lhe disseram que se não casasse se converteria em uma solteirona. Assim, como muitas jovens do Tajiquistão, casou-se com o homem sugerido pela sua família. Agora tem 20 anos, dois filhos e foi abandonada pelo marido. “Meus pais me disseram que já tinha idade e que precisava casar”, contou a jovem, que vive no Vale de Ferghana, zona da Ásia central onde seguem fortemente arraigados costumes sociais conservadores.

“Eu disse a eles que queria continuar estudando, mas responderam que os homens não gostam de jovens educadas e que não é preciso estudar para ser uma boa esposa. A primeira vez que vi meu marido foi no casamento. Tinha muito medo, mas minha avó me falou que tudo sairia bem”, recordou. A propagada pobreza no Tajiquistão é uma das principais causas dos casamentos precoces, segundo um informe da Fundação Eurásia. Nas famílias rurais, os filhos homens se convertem no sustento da família, e as meninas são, em geral, consideradas uma carga financeira.

Amanhã, 8 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher, como uma jornada para destacar a luta delas por seus direitos e a persistente discriminação que sofrem. Este ano, as Nações Unidas deram ênfase ao impacto dessa discriminação nas mulheres pobres. “Alguns pais acreditam que suas filhas podem ser melhor mantidas por um marido, e casá-las cedo é uma forma de conservar seus limitados recursos”, explicou à EurasiaNet.org a autora do estudo, Azita Ranjbar.

As famílias também fazem com que os filhos homens se casem com adolescentes. Quando as jovens do Tajiquistão contraem matrimônio se convertem em “kelins” (noras) e, em geral, passam a viver com a família de seu marido.

Delas espera-se que “sejam obedientes, ajudem as sogras nos trabalhos domésticos e, em algumas regiões do país, também colaborem na agricultura de subsistência”, explicou Ranjbar. Somente as mulheres que podem estudar estão em condições de desafiar o papel submisso que lhes é imposto.

Desde julho de 2010, a lei do Tajiquistão estabelece 18 anos como idade mínima para o casamento, tanto para homens como para mulheres. Entretanto, na prática, o casamento precoce ainda é comum. De fato, a lei teve um efeito não desejado. Quando um casal não pode se unir porque uma das partes tem menos de 18 anos, procura um líder religioso local para que realize a união. Mais tarde, sem a certidão de casamento, a esposa tem poucos direitos perante a justiça.

“São necessários severos castigos para reduzir a incidência de casamentos de menores”, disse Azim Bayzoev, professor de estudos de gênero na Universidade Nacional do Tajiquistão. “Porém, aumentando as punições também se provoca uma redução dos registros civis”, reconheceu. “Para ser efetiva, a lei deve ser aplicada de forma rígida, mas existe uma falta de capacidade e de vontade dos governos locais para isso”, ressaltou.

No Tajiquistão cresce a dependência do Islã para cumprir funções que o Estado não pode realizar. Em muitas áreas rurais, onde as autoridades locais não têm poder, nem motivação e nem apoio, são os líderes religiosos que dão soluções para os problemas diários. “A lei islâmica apoia o casamento precoce, pois oferece às famílias uma saída para o problema de ter que manter suas filhas”, esclareceu Bayzoev.

A maioria dos clérigos muçulmanos está disposta a realizar uma cerimônia religiosa sem importar se o casal não se registrou em um cartório civil. “O Alcorão não define uma idade mínima para o casamento”, disse à EurasiaNet.org um imã de Dusambé, capital do Tajiquistão que pediu para não ser identificado. Pelo contrário, “o Islã estimula as mulheres a casarem cedo. Isto significa que podem ter filhos, o que é seu dever”, acrescentou.

As mulheres que entram em casamentos polígamos, avaliados pelo Islã mas proibidos pelas leis do Tajiquistão, tampouco podem se registrar no cartório civil. Quando Dilnoza Rahimova tinha 15 anos, sua família a obrigou a casar com um homem que tinha o dobro de sua idade. Ela passou a ser a terceira esposa do marido, e era hostilizada pela primeira, que se sentia ameaçada. “Uma noite ele chegou bêbado e me forçou a ter relações sexuais”, contou à EurasiaNet.com. “Eu disse que não queria, e que ele estava me machucando, mas não adiantou”, contou. A mãe de Rahimova disse a ela que esse tipo de abuso é parte normal do casamento.

A violação marital não é algo incomum no Tajiquistão. Um informe de 2009 da Anistia Internacional revela que, embora apenas 11% dos homens admitam ter forçado suas mulheres a praticarem sexo, 42,5% das mulheres disseram que foram violadas por seus maridos. O divórcio é, muitas vezes, o último recurso. Contudo, “sem uma certidão de casamento, é extremamente difícil para a mulher reclamar os direitos sobre os bens adquiridos em conjunto, bem como pensões para seus filhos”, alertou Ranjbar.

Não há estatísticas oficiais sobre casamentos de menores. Bayzoev, da Universidade Nacional, disse que a prática ficou mais comum durante a guerra civil nesse país, entre 1992 e 1997, quando “as meninas eram obrigadas a se casar para evitar que fossem vítimas de violações ou que perdessem sua honra”. Entretanto, a prática também era comum quando o Tajiquistão integrava a União Soviética. Hoje, um aumento dos casamentos precoces significa mais divórcios, disse Bayzoev. “A imaturidade dos casais jovens e a natureza forçada de muitos casamentos, sem dúvida, contribuem para o crescente número de divórcios no país”, acrescentou.

Pouco depois de ter se casado, o marido de Khaitova uniu-se às legiões de jovens que emigram para a Rússia em busca de trabalho. Após três anos voltou com uma nova mulher. “Me disse que queria o divórcio e que eu tinha dois dias para ir embora”, contou à EurasiaNet.org. “Para onde posso ir? Tenho dois filhos, não estudei, fui obrigada a viver da caridade de meus familiares. Ganho 100 somonis (US$ 21) por mês consertando roupas, mas não posso manter meus filhos, lamentou. Envolverde/IPS

* Este artigo foi publicado originalmente pela EurasiaNet.org.