Pode acreditar, a fé é um grande aliado da saúde

Alguns enxergam a religiosidade simplesmente como uma forma de controle social, algo maior vigiando o comportamento humano. Outra forma de entendê-la é pensar que a evolução da espécie humana favoreceu a experiência religiosa como um mecanismo que ajuda a manter comunidades unidas e também a promover um melhor autocontrole mental. A princípio, quando uma meta é encarada como sagrada, o indivíduo teria maior tendência a se esforçar para alcançá-la. Mais do que isso, o sagrado abastece a mente humana no desafio de pensar sobre a vida e a morte, e em tempos mais remotos, era fundamental para o entendimento dos sonhos e fenômenos da natureza.

Marx, Freud, Weber, entre tantos outros, defenderam a ideia de que a modernidade reduziria a influência das crenças religiosas na sociedade. No Brasil, nos últimos 20 anos, houve um discreto aumento na porcentagem de brasileiros que dizem não ter uma religião: em 1991, essa cifra era de 4,75%, e, em 2009, passou para 6,7%. Entretanto, é notório que a humanidade continua com altos índices de religiosidade.

A religiosidade tem seu lugar no cérebro?

A neurociência tem demonstrado que a experiência religiosa estimula circuitos cerebrais do neurotransmissor dopamina, os mesmos circuitos que são considerados disfuncionais em transtornos neuropsiquiátricos em que a hiperreligiosidade faz parte do quadro clínico, como é o caso da epilepsia do lobo temporal, esquizofrenia, mania e transtorno obsessivo-compulsivo. Sistemas cerebrais da serotonina também parecem estar implicados, já que drogas que têm influência sobre eles são facilitadoras da experiência religiosa. Entre essas drogas podemos citar o LSD, mescalina, ecstasy, e o chá de Ayahuasca utilizado pelo Santo Daime e União do Vegetal.

Quando pensamos na influência da fé na evolução de problemas de saúde, vale a pena refletir sobre o poder do efeito placebo. A origem do termo é o verbo placere do latim que significa AGRADAREI. A simples expectativa positiva de que um tratamento pode nos fazer bem já é capaz de provocar mudanças fisiológicas em nosso corpo, e este é o chamado efeito placebo. Pessoas que apresentam boa resposta ao placebo apresentam circuitos cerebrais de dopamina com maiores concentrações desse neurotransmissor. Também há evidências de que as concentrações dos opioides endógenos e de serotonina são influenciadas pela expectativa positiva. Isso tudo pode ter repercussões sobre o sistema imunológico e favorecer a evolução de uma condição de saúde. Se uma pílula de farinha já é capaz de provocar esses efeitos, podemos tentar imaginar o que a prece ou um ritual religioso pode promover. Este é um modelo que a ciência tem para explicar os efeitos da fé sobre a mente e o corpo. Isso não quer dizer que outros mecanismos ainda intangíveis não possam ser descritos no futuro.

A religiosidade faz bem mesmo à saúde?

Já temos um razoável corpo de evidências de que indivíduos com uma maior vivência religiosa e espiritual têm uma maior capacidade de lidar com o estresse emocional, uma melhor saúde mental de forma geral e, em situações de doença, cooperam mais com o tratamento. Além disso, o envolvimento com uma comunidade religiosa está associado a uma maior rede social, e há tempos sabemos que pessoas socialmente integradas têm menos chance de adoecer, e quando doentes, a rede social é uma das principais fontes de apoio. Este pode ser um dos principais fatores que explicam resultados de maior longevidade entre as pessoas com maior religiosidade. Assume-se também que estas pessoas têm tendência a apresentar hábitos de vida mais saudáveis.

Entretanto, as crenças religiosas nem sempre estão a favor da saúde do paciente, já que podem, em alguns casos, dificultar a aderência ao tratamento com ideias do tipo: esse é o desejo de Deus; Deus me abandonou; este é o meu destino; este é o meu castigo; etc. Em situações como essas, é bem razoável que a equipe de saúde esteja minimamente preparada para abordar dimensões religiosas e espirituais do paciente, e assim aumentar a aderência e sucesso do tratamento.

A abordagem da religiosidade de um paciente não precisa ser um bicho de sete cabeças. Algumas doenças podem ter um efeito devastador na vida de um paciente e suas famílias, especialmente no caso do câncer e de doenças degenerativas e progressivas como o Mal de Alzheimer. Perguntas comuns nessas situações como “por que comigo?”, “por que com meu filho?”, “por que isso tudo?”, dão-nos uma pista de que, além dos cuidados físicos, cognitivos e emocionais, uma janela preciosa na relação entre a equipe de saúde e o paciente e seus familiares pode estar se abrindo: a dimensão espiritual.

Estudos revelam que mais de 90% dos médicos acreditam que a religiosidade dos pacientes deve ser considerada. Entretanto, apenas 30% dos médicos acreditam que isso deve ser efetivamente abordado, e só 10% adotam essa prática, mesmo entre pacientes terminais. Por outro lado, sabemos também que são bastante ruins os indicadores que medem a satisfação de pacientes quanto ao cuidado dispensado pela equipe de saúde aos seus aspectos emocionais e espirituais.

As pessoas com maior religiosidade são mais felizes?

Já é bem reconhecido que a percepção do quanto nos sentimos felizes é influenciada pelo quanto exercitamos algumas dimensões de nossa experiência humana como a gratidão, gentileza, altruísmo e otimismo. Difícil discordar que a prática religiosa seja uma inestimável ferramenta para exercitar essas virtudes. Além disso, a dedicação a algo maior do que si próprio, a sensação de significado na vida e de fazer parte do todo, são condições que estão associadas à autopercepção de felicidade e, mais uma vez, a religiosidade é uma das principais formas para se vivenciar essas experiências.

* Ricardo Teixeira é doutor em Neurologia e pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dirige o Instituto do Cérebro de Brasília.

** Publicado originalmente no blog do autor ConsCiência no Dia-a-Dia.