Nairóbi, Quênia, 2/5/2014 – Há seis anos o governo do Quênia recebeu um alerta de clérigos muçulmanos: o movimento extremista Al Shabaab estava radicalizando e recrutando jovens para sua causa islâmica. Mas nada foi feito, disse à IPS Sheij Ahmed, membro do Conselho de Imãs e Pregadores deste país. O Estado ignorou esses informes por considerar que se originavam em desavenças entre os clérigos e não prendeu os que abertamente pregavam que se atacasse os fiéis e lugares de culto de outras religiões.
“No começo era nosso problema, agora não. esse grupo de extremistas tomou o controle das mesquitas. Em Mombasa a polícia está nos ajudando a recuperar duas mesquitas que foram tomadas pelos radicais violentos”, contou Ahmed. No dia 23 de abril, atacantes suicidas explodiram o carro em que estavam contra uma delegacia de Nairóbi e quatro pessoas morreram, incluindo dois policiais.
Esse foi o último de uma série de atentados terroristas nessa nação do oriente da África. Em setembro de 2013, o Quênia experimentou o pior, quando homens armados da organização extremista somaliana Al Shabaab atacaram o centro comercial Westgate na capital, matando pelo menos 67 pessoas. Entretanto, o atentado do dia 23 pareceu uma represália à ofensiva que acontece em todo o país contra imigrantes ilegais e refugiados suspeitos de serem ligados à Al Shabaab.
Nuur Sheij, especialista em conflitos do Chifre da África, considera provável que a intimidação e a repatriação forçada incitem um ódio profundo contra o Quênia e façam com que mais jovens queiram se unir ao grupo extremista vinculado à rede Al Qaeda. “Essa estratégia é contraproducente. A decisão do governo provocou indignação. Os somalianos do Quênia ou da Somália e a comunidade muçulmana sofrem brutais ações policiais”, disse Sheij por telefone à IPS. “Isso se ajusta à propaganda da Al Shabaab e alenta uma comunidade que pode ajudar a combater o terrorismo”, acrescentou.
As tensões entre Quênia e Somália começaram depois que a polícia queniana prendeu um diplomata somaliano no dia 25 de abril. O primeiro-ministro da Somália, Abdiweli Sheij Ahmed, afirmou em um comunicado que seu governo estava preocupado pela prisão de somalianos que respeitam as leis. Seu país retirou seu embaixador no Quênia.
Segundo informes locais, a polícia prendeu mais de quatro mil somalianos e deportou cerca de 200 imigrantes ilegais. No dia 9 de abril, o primeiro grupo de presos, 82 somalianos sem status legal de refugiados foram deportados. Há cerca de duas semanas aconteceu o mesmo com 91 somalianos.
O diretor-executivo do Fórum de Muçulmanos pelos Direitos Humanos, Al Amin Kimathi, disse à IPS que essas ações são discriminatórias e castigam comunidades que sofrem a pior parte do terrorismo da Al Shabaab. Os meios de vida sofrem alterações, gera-se temor e se demoniza as comunidades somaliana e muçulmana. O porta-voz da polícia, Masood Mwinyi, não pensa assim: “É errado e enganoso indicar que o alvo é uma comunidade ou um grupo religioso. Também prendemos paquistaneses, chineses, indianos e outros estrangeiros ilegais de Estados vizinhos”, disse à IPS.
Ahmed Mohammad, secretário-geral da comunidade empresarial Eastleigh, a área de Nairóbi onde vivem mais somalianos, disse à IPS que fecharam suas portas mais de 75% das principais empresas de produtos têxteis e eletrônicos, de transações financeiras, restaurantes e hotéis. A etnia somaliana é um povo numeroso majoritariamente assentado na Somália, mas também na Etiópia, Quênia e Djibuti, e que pratica o Islã há séculos.
Um funcionário da Associação de Refugiados do Ogadén disse, pedindo para não ser identificado, que foram deportadas para a Etiópia 14 pessoas dessa região. Todas haviam solicitado que seu destino fosse a Somália, pois desde a queda, em 1991, do ditador etíope Mengistu Haile Mariam, intelectuais da Frente Nacional de Libertação Ogadén lutam por um Estado independente nessa região, que vive em constante tensão com a Etiópia.
“Devem nos exonerar, nosso status é diferente. Somos somalianos, mas da Etiópia. Qualquer ogadén deportado para a Etiópia pode ser assassinado. Sem dúvida, repatriar nosso povo para um país estrangeiro é um terrível erro”, destacou a fonte à IPS. Um etíope que fugiu de seu país após uma série de prisões e ameaças contra sua vida disse que nunca voltaria para casa ou para os acampamentos de refugiados somalianos. “Sofremos, aqui a polícia nos intimida, os acampamentos tampouco são seguros para nós. Sempre estamos ameaçados, porque os soldados da Etiópia estão na Somália e os culpam de matar somalianos inocentes”, disse à IPS, pedindo para não ser identificado.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia declarou que os atos do governo são uma séria violação da Constituição e dos padrões internacionais de direitos humanos. Suzanne Chivusia, que integra a Comissão, disse em um comunicado que centenas de detidos estão em condições desumanas e deploráveis, e têm um acesso limitado a alimentos, água e saneamento.
Mwinyi exortou a população a denunciar violações cometidas pela força policial. “Estamos prontos, desejando receber, investigar e punir todo oficial implicado em qualquer ato ilegal na operação”, afirmou. O presidente da independente Autoridade de Vigilância Policial, Macharia Njeru, afirmou em um comunicado que está investigando denúncias de detenções ilegais, elaboração de perfis étnicos e a prática de manter os detidos incomunicáveis.
Enquanto isso, o presidente da Organização de Muçulmanos no Quênia, Fazul Mohammad, disse à IPS que buscam adotar um enfoque ideológico para se contrapor às interpretações enganosas do Corão, por parte de clérigos aliados a terroristas. Trata-se de uma genuína “jihad”, ou guerra religiosa, contra um setor de líderes religiosos que prejudicam o Islã e ameaçam a unidade nacional.
“Criamos o cenário para um enfoque drástico e multifacetário, que adote todas as vias para enfrentar a radicalização da juventude, incluindo o controle e a reabilitação de jovens que desertem ou estejam dispostos a abandonar a Al Shabaab”, ressaltou Mohammad à IPS. Envolverde/IPS