Washington, Estados Unidos, 1/4/2011 – Quando diminuem as críticas à intervenção na Líbia, agora liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Washington continua sem definir claramente sua política a respeito dos protestos populares que sacodem os países árabes, em especial o Bahrein. O presidente Barack Obama reiterou em declaração feita pela televisão, no dia 28, que a política de seu governo se atém às promessas que fez em 2009 no Cairo, quando disse que apoiaria os que promovessem reformas democráticas e plurais no mundo árabe.
“Não podemos dar as costas a esse movimento de mudança. Temos de estar ao lado dos que têm os mesmos princípios que nos guiam em muitas tempestades: nossa oposição à violência direta de um regime contra seu próprio povo, nossa defesa de direitos universais, incluída a liberdade de expressão e de escolher seus próprios representantes, e nosso apoio a governos que atendam as aspirações de seu povo”, afirmou Obama.
A atitude da Casa Branca a respeito das revoltas populares em vários países árabes não se ajusta a uma visão estratégica, segundo numerosos analistas, mas aparece como dependente das concesssões em relação às reformas de seus aliados regionais, como é o caso do Bahrein, onde a Arábia Saudita teme que um regime mais inclusivo permita ao Irã ampliar sua esfera de influência. No caso do Bahrein, o governo de Obama adotou um enfoque totalmente diferente do da Líbia, e inclusive do Egito.
Os Estados Unidos aceitaram as concessões mínimas feitas pelo regime do rei Hamad bin Isa al-Khalifa, apesar da repressão contra civis e dos protestos populares por reformas políticas. Além disso, adotou uma posição ambígua a respeito da presença de efetivos sauditas no Bahrein, o que, segundo analistas, serviu para exacerbar ainda mais as tensões.
O Bahrein é um país de maioria xiita governado por uma minoria sunita. Entretanto, os protestos populares não nasceram de diferenças sectárias, mas a situação mudou com a chegada de soldados sauditas, a maioria pertencente a esse último ramo do Islã. Por mandato do Conselho de Segurança do Golfo, no dia 14 de março, um contingente da Arábia Saudita cruzou a estrada elevada que une os dois países com o propósito de proteger a infraestrutura do regime, mas acabou funcionando como reforço para a monarquia de Khalifa. A resposta saudita à crescente tensão no Bahrein e a indecisão de Washington semeou dúvidas na população barenita sobre a política dos Estados Unidos.
“O Bahrein nunca teve problemas sectários, há anos convivem sem problemas sunitas e xiitas”, assegurou Husain Abdulla, diretor da Americans for Democracy and Human Rights (Norte-Americanos pela Democracia e os Direitos Humanos), com sede nesse país. “É preocupante o eventual surgimento de sentimentos antinorte-americanos no Bahrein. Os barenitas consideram que Washington sempre exerceu pouca pressão sobre seu governo”, disse Husain.
Os aviões dos Estados Unidos e da Otan que voam da cidade líbia de Bengasi até Trípoli, com o suposto objetivo de proteger a população da Líbia, causam desconfiança entre os barenitas quanto à presença de efetivos estrangeiros em seu país, ao que parece com a anuência do Ocidente, disse Husain. A situação se agrava com a suposta ameaça de maior influência do Irã, governado por xiitas. “O governo acenou a carta sectária cada vez que surgiram reclamações de reformas. Khalifa menciona o Irã para assustar o Ocidente”, afirmou.
“As autoridades barenitas não parecem interessadas em um diálogo nacional”, ressaltou a professora Kristin Diwan, da Universidade Norte-Americana. “Destacaram que primeiro está a segurança e a estabilidade. Aumentam as detenções e procuram casos para relacionar os ativistas presos com o Irã e, assim, tirar a legitimidade de sua oposição como interlocutores”, acrescentou.
O Irã tentará se imiscuir no Bahrein se o regime não realizar reformas, disse o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, após se reunir com o príncipe herdeiro, Hamada al-Khalifa, antes da intervenção do Conselho de Cooperação do Golfo nesse país. “A melhor forma de limitar a influência iraniana no Golfo é integrar totalmente a população xiita em seus respectivos países”, disse Kristin. “Mas é impossível, pois as monarquias da região recorrem à retórica sectária para confrontar as reclamações domésticas”, explicou.
“O Irã teve certa influência sobre os movimentos xiitas barenitas após a Revolução Islâmica de 1979 e inspirou muitos”, contou Kristin. “Depois, estes se concentraram na política nacional, não na transnacional. Temo que volte o enfoque transnacional se o processo de reforma política for congelado e os xiitas não recuperarem forças no parlamento”, acrescentou.
Expressar a política norte-americana em termos puramente estratégicos ou militares não é um bom sinal para os barenitas que desejam ver os Estados Unidos como um sócio confiável para promover reformas democráticas. As revoltas populares no mundo árabe colocaram à prova a capacidade de Obama para levar à prática as discussões políticas, como a relacionada com a intervenção na Líbia, porque Washington insiste que Muammar Gadafi deve se retirar.
“Os Estados Unidos desejariam a estabilidade no Bahrein e que os xiitas gozassem de cetos direitos. Ao mesmo tempo, não creio que Washington queira a queda do regime”, disse à IPS o professor de estudos sobre Oriente Próximo Bernard Haykel, da Universidade de Princeton. O histórico lugar comum sobre o duplo discurso norte-americano parece ser certo no Oriente Médio, segundo diversos analistas. Diante dos acontecimentos nessa região nos últimos meses, a melhor estratégia é a flexibilidade, disse Obama em seu discurso.
É possível que seja tarde para que os Estados Unidos ratifiquem o que para a população do Bahrein é sua falta de apoio às reformas democráticas conforme se esgotam as oportunidades para um diálogo nacional. É praticamente impossível para Washington escapar do que evitou por pouco no Egito: cair do lado errado das reformas. Envolverde/IPS