Rio de Janeiro, Brasil, 17/7/2013 – Quase 20 anos depois da histórica conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre população e desenvolvimento, abre-se aos países latino-americanos a oportunidade de avançar em uma nova agenda na matéria, devido ao novo contexto econômico favorável, que permitiu reduzir as históricas desigualdades sociais. O debate sobre a situação na região esteve na mesa do encontro preparatório, no Rio de Janeiro, da I Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, que acontecerá entre 12 e 15 de agosto em Montevidéu, no Uruguai, patrocinada por duas agências especializadas da ONU.
Demógrafos e representantes de governos da região foram convocados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) para, entre o dia 15 e hoje, fazer um balanço dos desafios da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em setembro de 1994 no Cairo e que aprovou um plano de ação até 2014. “O contexto atual de crescimento econômico e de melhoras distributivas abre uma oportunidade para avançar na eliminação dos desequilíbrios socioeconômicos e na qualidade de vida”, diz o documento-base do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
O conferencista Juan José Calvo, da Comissão Setorial de População do governo do Uruguai, concorda com essa análise para uma população latino-americana que nas últimas seis décadas passou de 167 milhões de pessoas para 596 milhões, segundo dados de 2010. “Nos últimos 20 anos, tivemos avanços extremamente significativos, em alguns casos a passos de gigante, o que não significa que não continuamos tendo desafios relevantes, inclusive nas mesmas áreas. Isto significa que tiramos dezenas de milhares de latino-americanos da pobreza e da indigência, mas isso não impede que este ainda seja o problema principal a se resolver”, pontuou Calvo à IPS.
O programa de ação da CIPD recomendava um conjunto de metas quantitativas entrelaçadas, com o acesso universal à educação primária com ênfase nas meninas, promoção da saúde e dos direitos reprodutivos incluindo planejamento familiar, redução dos índices de mortalidade e morbidade materno-infantil, igualdade de gênero, e aumento da expectativa de vida. No contexto de um “desenvolvimento sustentável”, contemplava temas mais gerais, como redução da pobreza e das desigualdades sociais, intergerações e étnicas.
Alguns países melhoraram esses indicadores e, junto a isso, outros que incidem na interrupção do ciclo histórico da desigualdade, como a educação. Na Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, quase toda a população menor de 15 anos permanece no sistema educacional, mas a média em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua é que um quarto dos jovens dessa idade está fora, disse o especialista.
Outro avanço foi o de uma acelerada queda da fecundidade, iniciada na primeira metade do século 20. A região da América Latina e do Caribe tinha índices reprodutivos que figuravam entre os maiores do mundo, de quase seis filhos por mulher. Quarenta anos depois, a fecundidade já estava abaixo da média mundial, de 2,9 filhos por mulher, e nas últimas décadas caiu para 2,17 filhos por mulher. Esta população também conseguiu, de 1950 até agora, 23 anos mais na média de vida, o que permitiu que no quinquênio atual a esperança de vida ao nascer seja de 75 anos. No mesmo período, a mortalidade infantil caiu de 138 para 18 mortes para cada mil nascidos vivos.
Contudo, essas melhoras não se refletem da mesma maneira por países, regiões ou grupos étnicos. “América Latina e Caribe continuam sendo a zona que tem a maior desigualdade de todo o planeta e esse é o desafio provavelmente prioritário”, destacou Calvo. “Embora tenhamos avançado significativamente na maioria dos indicadores que determinam melhoras nas condições de vida, ainda há brechas inaceitáveis em temas como saúde sexual e reprodutiva, em situação de pobreza e educação dependendo do sexo ou idade da pessoa”, acrescentou o uruguaio, ao se referir, por exemplo, aos povos indígenas.
Calvo afirmou que os problemas de base remontam aos anos 1990, quando uma “predominância de governos com orientação neoliberal abandonou o planejamento como instrumento de política pública”. Atualmente, “vários governos progressistas retomam o tema do planejamento”, entre os quais está “a demografia”, apontou. “Muitos criaram ministérios ‘de desenvolvimento social’, instituições de jovens e de mulheres, por exemplo, que são mecanismos operacionais para levar adiante contextos normativos de um caráter mais avançado”, detalhou.
Porém, nem mesmo esses governos podem superar posições conservadoras internas, que os impedem de avançar em questões como direitos sexuais e reprodutivos, considerados “fundamentais” pelo demógrafo brasileiro George Martine. Conceitos “fundamentalistas”, segundo a brasileira Elsa Bercó, tampouco permitiram que no Cairo se discutisse livremente temas como preferência sexual, aborto, gravidez de adolescentes. Assuntos que “não se materializaram em políticas públicas ou por decisões de tribunais superiores de justiça”, disse Sonia Correa, fundadora da organização feminista brasileira SOS Corpo.
“No Cairo houve avanços sobre desenvolvimento, igualdade de gênero e direitos reprodutivos, mas não foi cumprida toda a agenda e ficaram coisas mais delicadas de fora, que não foram discutidas por razões ideológicas”, explicou Martine à IPS. O demógrafo atribuiu essa carência à “oposição religiosa, que é capaz, inclusive, de influenciar governos com uma agenda própria mais progressista”.
No entanto, a especialista Magdalena Chu, fundadora do programa de pós-graduação em Demografia e População na Universidade Peruana Cayetano Heredia, ressaltou avanços na região nas áreas de direitos sexuais e reprodutivos. “Nesta época há maior noção de que as pessoas são livres para decidir o planejamento de sua família ou utilizar este ou aquele método de planejamento familiar”, afirmou Chu. Ela também responsabiliza setores conservadores pelo fato de muitos governos não terem conseguido implantar abertamente essas políticas.
Os conferencistas do encontro no Rio de Janeiro apresentaram outros temas pendentes, como os processos de urbanização e suas consequências ambientais. São processos “inevitáveis”, segundo Martine, mas “com falta de políticas por parte dos administradores”. “Avançamos no caminho do desenvolvimento, mas ainda temos muito por fazer”, resumiu Calvo. Envolverde/IPS