Rio de Janeiro, Brasil, 18/7/2013 – Vários anos depois de estourar a crise econômica no mundo rico, que elevou e reorientou os contingentes de população que fogem das penúrias, a América Latina carece de uma visão mais inclusiva das migrações. Este é o aspecto crítico para o debate na Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, que acontecerá de 12 a 15 de agosto em Montevidéu, no Uruguai.
Passaram-se quase 20 anos desde a histórica Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), de 1994 no Cairo, e desde então os demógrafos insistem na desigualdade territorial como um dos nós que travam a realidade latino-americana e que motivam, em muitos casos, as pessoas a deixarem seus lugares de origem em busca de melhor qualidade de vida.
A CIPD constituiu um marco para redirigir a ênfase a partir de metas demográficas para os direitos das pessoas, segundo Jorge Rodríguez, do Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia. “Se deu um enfoque mais social e, sobretudo, mais de direitos humanos. A conferência instalou o tema dos direitos. E nos últimos 20 anos mudou a importância que a migração internacional tinha para a região”, pontuou Rodríguez à IPS.
Desde 2008, ano em que estourou a crise europeia, há sinais de um freio na emigração, ao mesmo tempo em que há sinais de retorno, acrescentou Rodríguez em um encontro preparatório à conferência regional, organizado no Rio de Janeiro entre 15 e 17 deste mês. “Agora enfrentamos um tema emergente, o retorno de emigrados devido à crise econômica. A América Latina estendeu suas redes migratórias. Sempre estamos olhando a migração relevante para Estados Unidos e Europa, mas dentro da região é muito grande”, ressaltou.
Esta mobilidade assumiu contornos mais específicos com os refugiados ambientais, que formam uma categoria de pessoas obrigadas a emigrar devido a catástrofes naturais. “Agora o conceito ganha uma diversidade muito maior, e isso exige um tratamento especial”, destacou Rodríguez. Para o demógrafo e economista Duval Fernandes, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e membro da Associação Latino-Americana de População, duas décadas depois do Cairo, é preciso avançar para o respeito do migrante além de seu status legal.
A situação dos imigrantes haitianos, expulsos pelo demolidor terremoto de janeiro de 2010, demonstra os desafios latino-americanos. O Haiti vive uma profunda crise ambiental, que se agravou com o sismo que matou cerca de 200 mil pessoas e destruiu dezenas de milhares de moradias, além de infraestruturas e prédios públicos. Além disso, para este ano espera-se que passem por seu território 20 ciclones ou tempestades tropicais.
Foram impostas restrições para a emigração haitiana, sobretudo para os Estados Unidos e a vizinha República Dominicana, que divide com o Haiti a ilha La Espanhola, e o Brasil apareceu como uma alternativa. “Na República Dominicana os filhos de haitianos ilegais que nasceram nesse país não podem ser registrados e que por isso ficam como apátridas. Isto levou alguns a buscarem outros caminhos e então apareceu a oportunidade de viajar para o Brasil”, explicou Fernandes.
Desde novembro de 2010, milhares de haitianos entraram sem permissão no Brasil pela fronteira norte. O país não estava preparado para receber em pequenas cidades do interior da Amazônia imigrantes que chegavam depois de longas viagens clandestinas. Isto “se tornou em uma situação calamitosa. Os países não sabem como lidar com este problema”, disse o demógrafo brasileiro. O trâmite legal no Brasil é lento, pois os haitianos não foram aceitos dentro da categoria de refugiados. Estima-se que apenas dez mil chegaram nesta condição.
“Pagam entre US$ 2,5 mil e US$ 4 mil ao “coiote” (traficante de pessoas) para fazer esse trajeto. Multiplique por dez mil pessoas e chegamos a cerca de US$ 30 milhões. É preciso desbaratar esse contrabando. Os haitianos são enganados e acreditam que no Brasil vão ganhar US$ 2 mil por mês”, apontou Fernandes.
A solução encontrada pelo governo foi conceder-lhes visto humanitário. No momento de cruzar a fronteira, os haitianos solicitam refúgio e, em seis meses, o Conselho Nacional de Refugiados rejeita o pedido e o envia ao Conselho Nacional de Imigração, que concede o visto. “O haitiano será um refugiado ambiental, mas oficialmente não existe o reconhecimento de tal situação. O grande problema é que, quando se expede o visto, as pessoas já não estão onde estavam ou não ficam sabendo”, acrescentou Fernandes.
Fernandes propõe um trabalho humanitário com esta população e que sejam estabelecidos mecanismos extraordinários para regularizar sua situação no país. Entre os especialistas entrevistados pela IPS, Gabriel Bidegain, conselheiro técnico principal do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que reside no Haiti, acredita que é preciso um acordo regional para abordar a questão migratória de forma ordenada. No Haiti se construiu “uma nova geografia humana”, já que houve uma migração interna importante, bem como um grande contingente de emigrantes que viram o Brasil como uma oportunidade, enfatizou.
“Diante da crise nos Estados Unidos e na Europa, a grande meca foi o Brasil. Era a rota do ouro. Foi feita a promoção desse destino e se ensinava português, era lógico que viessem”, afirmou Bidegain à IPS. Porém, o fluxo de haitianos para o Brasil é muito menor do que a população haitiana residente na República Dominicana, cerca de 800 mil pessoas, e nos Estados Unidos, cerca de 600 mil.
Além disso, ainda permanecem no Haiti aproximadamente 400 mil refugiados ambientais que vivem em acampamentos informais perto de Porto Príncipe. Segundo Bidegain, é necessária uma convenção regional sobre migração, capaz de dar resposta à vulnerabilidade de quem se vê obrigado a deixar seu país, especialmente por catástrofes ambientais. Envolverde/IPS