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Populações reféns da mudança climática

Sobreviventes de um ciclone na Birmânia nas ruínas de sua casa destruída. Foto: Acnur/Taw Naw Htoo
Sobreviventes de um ciclone na Birmânia nas ruínas de sua casa destruída. Foto: Acnur/Taw Naw Htoo

 

Londres, Grã-Bretanha, 12/11/2014 – Inundações generalizadas, prolongadas ondas de calor e uma elevação lenta mas implacável dos mares são algumas das calamidades que, segundo muitos cientistas, a mudança climática acarretará, deixando sem saída os já mais vulneráveis. Quando se desencadeia um desastre natural, às vezes as populações não têm outra opção que não seja abandonar as áreas afetadas. Mas, para algumas pessoas, nem essa alternativa existe.

Enquanto muitos podem se converter em refugiados na busca por um lugar mais seguro onde viver, tanto permanente quanto temporariamente, outros podem se tornar “reféns climáticos”, incapazes de escapar. Em todo o mundo pessoas “podem estar presas em circunstâncias das quais querem ou necessitam sair mas não podem”, observou o professor Richard Black, da Escola de Estudos Orientais e Africanos na Universidade de Londres.

Para Black, “o mais provável é que isto se deva à falta de meios econômicos para fazê-lo, ou porque não há nenhuma rede social para que sigam ou nenhum trabalho para realizarem, ou porque há algum tipo de barreira política à circulação, como exigir um visto que é impossível de obter, e em alguns países é impossível conseguir visto de saída”.

Para os mais vulneráveis, a mudança climática pode significar um duplo perigo: primeiro, por piorar as condições ambientais que ameaçam seu sustento, e, segundo, porque reduz os bens financeiros, sociais e inclusive físicos que são necessários para escapar. Um projeto dirigido por Black sobre migrações e mudança ambiental mundial foi um dos primeiros a chamar a atenção para a noção de “populações presas”.

No informe Migração e Mudança Climática Global: Desafios e Oportunidades Futuras, publicado em 2011 pela organização Foresight, para o departamento para Ciências do governo britânico, os autores alertam que “nas próximas décadas milhões de pessoas serão incapazes de mudar de lugares onde são extremamente vulneráveis à mudança climática”.

Um exemplo citado nesse documento é o dos habitantes dos pequenos Estados insulares que vivem em áreas propensas às inundações ou próximo de costas expostas. É possível que essas populações não possuam os meios para abordar os riscos e tampouco os recursos para emigrar das ilhas.

O estudo também alerta que esse tipo de situação pode agravar-se até gerar deslocamentos de risco e emergências humanitárias. De fato, o passado oferece alguns exemplos sobre grupos humanos que se tornaram imóveis devido a eventos meteorológicos extremos ou mesmo de crise de gestação lenta. Um desses casos, apontou Black, foi a seca nos anos 1980 que açoitou a região africana do Sahel. Na época, houve menos homens adultos que emigraram e que de outro modo o teriam feito.

“Em condições de seca eles tinham menor capacidade de fazê-lo, porque isso implicava recorrer aos seus bens, e no Sahel é comum os bens serem animais, e a seca os mata, o que significa que a pessoa não pode converter animais em dinheiro, e então não pode pagar o contrabandista ou enfrentar o custo de uma viagem que o tire dessa área”, acrescenta o informe.

Porém, Black pontuou que em muitos casos é especialmente difícil distinguir entre pessoas que ficam porque podem e querem fazê-lo e pessoas que realmente não podem partir. Além disso, a mudança climática também fará as pessoas emigrarem para áreas onde correrão inclusive mais riscos do que aqueles que deixaram para trás.

No delta do rio Mekong, sul do Vietnã, pesquisadores preveem que a mudança climática vai provocar mais inundações, perda de terras e aumento da salinidade do solo. Os moradores dessa região, já pobre, talvez não tenham nenhuma possibilidade de enfrentar esses perigos, e tampouco possam ir para outros lugares.

“No geral, serão a renda e os bens que determinarão se as pessoas ficarão onde estão ou se terão de se reassentar”, destacou Christopher Smith, da Universidade de Sussex, que atualmente dirige um projeto da Comunidade Europeia para avaliar o risco das populações presas no delta do Mekong.

Na Guatemala, os pesquisadores Andrea Milan e Sergio Ruano concluíram que comunidades isoladas nas montanhas também correm o risco de ficar em situação ruim pela mudança climática. Segundo seu estudo Variabilidade de Chuvas, Insegurança Alimentar e Migrações em Cabricán, Guatemala, publicado no começo deste ano na revista Climate and Development, as precipitações irregulares podem estar ameaçando seriamente a segurança alimentar e as fontes de renda de comunidades dessa municipalidade, que dependem da agricultura de subsistência e tempo seco.

Entretanto, os riscos associados à mudança climática não estão relegados aos países em desenvolvimento. O furacão Katrina, que em 2005 açoitou o sudeste dos Estados Unidos, ofereceu um claro exemplo disso quando o estádio de Nova Orleans, conhecido como Superdomo, teve de abrigar mais de 20 mil pessoas durante vários dias.

“Isso teve a ver com o fato de existir um plano de evacuação com a ideia de que todo mundo escaparia em automóvel, mas essencialmente havia setores da população que não tinham carro e não partiriam dessa forma, e também algumas pessoas que não acreditaram nas mensagens sobre a evacuação”, destacou Black.

“E aquelas pessoas que ficaram presas no olho da tormenta tiveram, então, mais probabilidades de serem retiradas logo e, portanto, de acabar em um dos estacionamentos de reboques, alojamentos temporários instalados pela Agência Federal para o Manejo de Emergências”, acrescentou Black.

Os cientistas são cautelosos na hora de vincular o Katrina ou qualquer outro evento meteorológico extremo isolado com a mudança climática. Porém, estudos mostram que um mundo mais quente pode não necessariamente significar mais furacões, mas que essas tempestades serão mais ferozes do que o habitual nessas áreas.

Black afirmou ter mantido conversações com “o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Organização Internacional para as Migrações e várias outras entidades sobre estes assuntos e que há um grau de interesse nessa ideia de as pessoas poderem ficar presas”.

O relatório Populações ‘Presas’ em Épocas de Crise, publicado em março deste ano por Black junto com Michael Collyer, da Universidade de Sussex, afirma: “Já que dispomos de uma informação limitada sobre as populações presas, o objetivo da política deveria ser evitar situações nas quais as pessoas sejam incapazes de partir quando quiserem, não promover políticas que as animem a fazê-lo quando talvez não queiram, e dar-lhes informação atualizada que lhes permita tomar uma decisão bem fundamentada”.

Entre os fóruns intergovernamentais, a União Europeia está tomando a iniciativa. Um documento de trabalho de seu órgão executivo, a Comissão Europeia, sobre mudança climática, degradação ambiental e migrações, e que acompanha a estratégia estabelecida em abril de 2013 pelo bloco em matéria de adaptação, diz que, apesar dos questionamentos sobre sua efetividade, o reassentamento pode ser necessário “em certos cenários”, por exemplo, os das populações presas.

A resposta da comunidade internacional às pessoas que devem se mudar em razão desse tipo de situação, que não são devidas apenas aos efeitos da mudança climática – também pode ser por motivo de terremotos, erupções vulcânicas ou crises induzidas por seres humanos, como os conflitos armados – costuma se basear em lhes dar um status, de “deslocados”, “solicitantes de asilo” ou “refugiados”.

Mas essa não é a resposta adequada, enfatizou Black, porque para essas pessoas “o problema não é a falta de um status legal, mas a falta de opções”. Envolverde/IPS