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Populariza-se duvidoso modelo de prisões privadas

A Corporação de Correcionais da América tem 80 mil detentos em 60 centros, 40 deles de sua total propriedade. Foto: Bigstock
A Corporação de Correcionais da América tem 80 mil detentos em 60 centros, 40 deles de sua total propriedade. Foto: Bigstock

Washington, Estados Unidos, 11/9/2013 – Em quase todas as regiões do mundo há países que adotam um sistema penitenciário privado promovido pelos Estados Unidos, apesar de a evidência acumulada mostrar que não são rentáveis nem oferecem serviços adequados. Novos dados divulgados no mês passado revelam que quase uma dezenas de países na África, Américas do Norte e do Sul, Ásia-Pacífico e Europa instalam centros de detenção privados com fins lucrativos em seus sistemas penais.

O modelo surgiu nos Estados Unidos, onde agora se tenta reduzir a população carcerária. Isto derivou na exportação de conhecimentos sobre penitenciárias privadas. O crescente interesse internacional “ajudou as empresas de prisões privadas dos Estados Unidos a diversificarem seus investimentos em um momento em que o número de reclusos neste país apresenta uma parada”, diz um estudo divulgado pelo Sentencing Project, um grupo de estudo com sede em Washington.

“Por exemplo, 14% da renda da segunda maior companhia do setor nos Estados Unidos, a Geo Group, procederam dos serviços internacionais no ano fiscal 2012”, diz o informe. O crescente interesse mundial na privatização de prisões também foi uma benção para as empresas britânicas, em particular para a G4S e a Serco. Todas essas companhias “prosperaram em razão da privatização generalizada de penitenciárias e dos sistemas de detenção de imigrantes, entre outros serviços do Estado”, explica o informe, “embora, no geral, não ofereçam os serviços prometidos”.

De fato, numerosos críticos acusam as companhias carcerárias, com requisitos explícitos de reduzir fundos, de oferecerem condições e serviços piores do que os sistemas estatais. A Suprema Corte de Justiça de Israel bloqueou em 2009 uma iniciativa do governo para abrir uma prisão privada. O tribunal alertou que a transferência de tal responsabilidade “atentaria dura e gravemente contra os direitos humanos dos presos”. As empresas costumam justificar suas operações em termos de maior eficiência do serviço.

A Companhia de Correcionais da América (CCA), criadora desta tendência no começo dos anos 1980 e atualmente a maior empresa do setor nos Estados Unidos, explica que “combina a eficiência e a efetividade empresarial com padrões, normas e controles estatais por menos dinheiro do que o requerido pelas agências públicas para funcionar”. A CCA afirma que tem 80 mil presos em 60 centros de detenção, 40 deles de sua total propriedade.

Entretanto, organizações e governo criticam cada vez mais o argumento de rentabilidade deste modelo. Um órgão de controle do Estado norte-americano do Arizona concluiu, em 2010, que as prisões privadas custavam ao governo estadual 16% mais do que as públicas. Em um informe pouco comum, o movimento Anonymous alertou em julho que já não era rentável investir na CCA.

Os países que contam com prisões privadas ou estão para implantá-las incluem África do Sul, Brasil, Chile, Grécia, Jamaica, Japão, México, Peru e Tailândia, embora o setor continue dominado pelas nações ricas, especialmente as de língua inglesa, diz o informe do Sentencing Project. Os Estados Unidos são o país com mais detentos em prisões privadas, 131 mil em 2011. Isso se deve em grande parte porque também é o que mais pessoas manda para a prisão, 1,5 milhão, cerca de um quarto da população carcerária mundial.

Vários países cederam uma parte maior de seus sistemas penais a companhias privadas. Segundo os últimos dados, Austrália, Grã-Bretanha e Nova Zelândia têm entre 10% e 20% de seus presos em recintos privados. Os números aumentam quando se trata de centros de detenção de imigrantes, setor em que se destacam particularmente as companhias privadas.

A Grã-Bretanha, por exemplo, mantém três em quatro pessoas acusadas de infringir normas de imigração em instalações privadas. A Austrália, por sua vez, privatizou totalmente as prisões para imigrantes. “Como há grandes países desenvolvidos que avançam nessa direção, naturalmente isso gera interesse em outros”, pontuou Cody Mason, autor deste último informe e consultor da Sentencing Project. Empregados de “empresas privadas, nos Estados Unidos e em outros países, costumam viajar e convidar os legisladores a conhecerem suas instalações, dando a entender que seu enfoque resolverá seus problemas. São promovidas como a grande alternativa para resolver a lotação, os serviços padrões e o aumento do custo das prisões”.

Novos mercados

Nos Estados Unidos a lotação das prisões se tornou um grande problema depois de três décadas de uma política de “tolerância zero com a criminalidade”, promovida pelos legisladores. A superpopulação em algumas prisões excede em 40% sua capacidade e gerou acusações de maciças violações de direitos humanos. No dia 12 de agosto, o promotor-geral, Eric Holder, fez um anúncio considerado histórico, no qual pedia ao Departamento de Justiça que comece a tomar medidas para reduzir a população carcerária.

Há outras disposições em andamento no Congresso para implantar mudanças permanentes no funcionamento do sistema penal. Essas medidas poderão derivar no fim da era da “tolerância zero”, mas, sem dúvida, preocupa as companhias de prisões privadas nos Estados Unidos. Ainda não está claro como o lobby empresarial poderá ser fortalecer no contexto desta nova tendência, mas Cody Mason apontou que já gastaram milhões de dólares e medidas de pressão em torno dela. O lobby se concentrou na revisão pendente do sistema de imigração.

O informe de Mason diz que as empresas têm “antecedentes de contribuir com os defensores de leis duras para a detenção de imigrantes” sem documentação em ordem. Dados oficiais mostram que o governo federal deterá este ano cerca de 400 mil pessoas por infringirem as leis de imigração, o que custará US$ 2 bilhões. Mas um novo projeto de lei, aprovado pelo Senado mas que está no limbo da Câmara de Representantes, dará lugar a mudanças seguramente significativas.

“Certamente haverá uma resposta corporativa a estas questões, em especial pelo que ocorrer com o projeto de lei de imigração. As companhias têm grande interesse no que acontecer com isso”, ressaltou Mason. “Contudo, além da pressão que possam exercer, também buscam outros nichos de mercado, e parte disso é se expandir a outros países”, acrescentou. Envolverde/IPS