Nações Unidas, 22/4/2013 – É costume acreditar que a violação só causa um trauma pessoal, mas, na realidade, suas implicações vão além das consequências diretas sobre a vítima e se estendem a comunidades inteiras, o que complica a por si só já difícil tarefa de ajudá-las. Thérèze Mema Mapenzi, que trabalha com vítimas de violação em Kivu Sur, no leste da República Democrática do Congo (RDC), disse que, para superar o trauma de uma agressão sexual, as sobreviventes devem ter alguém que as escute.
A escuta também é importante para ajudar a encontrar soluções que permitam lidar com as consequências da violação que impactaram toda a comunidade, explicou esta assistente social que atua diretamente com as vítimas no contexto da Comissão para a Paz e a Justiça em Bukavu, capital de Kivu Sul. “Não dou dinheiro nem alimentos, mas ouço e demonstro compaixão”, contou Mapenzi. “Me dá orgulho o fato de as palavras suaves ajudarem a curar o trauma das vítimas”, enfatizou. Mapenzi conversou com a IPS sobre o uso da violação como arma de guerra para destruir povoados, famílias e comunidades.
IPS: Pode explicar as consequências destrutivas da violência sexual sobre as pessoas e as comunidades?
Thérèse Mema Mapenzi: Na RDC se usava, e se usa, a violação como arma de guerra. Os rebeldes sabem que as mulheres são as que protegem a cultura em suas comunidades. Para desestabilizar um país e ajudar os responsáveis pela violência a alcançarem seus objetivos, destroem as famílias e comunidades locais, enfraquecendo, assim, a coesão social. Violaram nossas irmãs e mães; mataram nossos irmãos diante de nossos olhos, nos humilhando e ameaçando. Esta violência ocorre em um ambiente de silêncio. Não é fácil para uma pessoa que sobreviveu dizer que foi violada, porque em nossas comunidades as pessoas não falam facilmente sobre sexo. A violação é tratada como um tabu. Muitas famílias estiveram e estão separadas por estas experiências. As mulheres violadas estão isoladas, a harmonia familiar se quebra. Comunidades inteiras enfraquecem e se dividem, o que gera um ambiente de medo em que os rebeldes se tornam mais poderosos.
IPS: As pessoas que sobreviveram a uma violação costumam voltar a ser vítimas no ambiente comunitário. Pode explicar este fenômeno?
TMM: Essas pessoas sofrem terríveis tratamentos nas mãos de grupos rebeldes, e, quando regressam às suas comunidades, são discriminadas. Até 2010, muitas vítimas de violação nem mesmo eram levadas em conta em suas comunidades, sendo discriminadas por suas famílias e vizinhos. Muitos homens foram obrigados a ver a violação de suas mulheres e foram ameaçados de morte se tentassem ajudar. Também é muito difícil para eles falar dessa experiência, porque se supunha que deveriam proteger as mulheres, se sentem impotentes e envergonhados. Também ocorre de alguns homens que não estavam quando suas esposas foram violadas acreditarem que elas colaboraram.
IPS: Você trabalha em 16 centros de escuta em diferentes aldeias de Kivu Sul. Por que é tão importante escutar?
TMM: Só ouvindo atentamente os problemas das pessoas é que se pode compreender ou saber que tipo de ajuda oferecer. Dessa forma contribuímos para seu tratamento, mostrando compaixão e compreensão. Na maioria das vezes, os segredos relacionados com um trauma que guardamos nos destrói por dentro sem nos darmos conta. Por exemplo, muitas pessoas, especialmente as mulheres, sofrem problemas estomacais, nervosismo e dores de cabeça porque não sabem a quem recorrer para confidenciar seus problemas e emoções vinculados a essa situação.
IPS: As vítimas também deveriam falar?
TMM: As vítimas devem falar de seu trauma para se curarem. No processo de cura, um de nossos objetivos é permitir que as vítimas traumatizadas falem de sua situação e de onde e porque têm problemas em sua vida cotidiana, para que possam se sentir aliviadas. Se a pessoa não fala, o processo de cura não avança.
IPS: Qual sua tarefa concreta para ajudar e apoiar mulheres, meninas, meninos e homens?
TMM: Para nos reunir com sobreviventes de uma violação vamos às comunidades informar as pessoas e sensibilizar sobre as consequências físicas e psicológicas da violência sexual. A intenção é recordar a todos que este é um problema de toda a comunidade. Também pedimos que não estigmatizem as vítimas e explicamos o que nossos centros de escuta oferecem, para que possam, por sua vez, difundir os programas. A forma de atenção varia de uma para outra pessoa. Às vezes, precisa de assistência legal ou médica, psicológica ou econômica. Na terapia mostramos à pessoa que ela não é responsável pela violação. Se nunca foram atendidas em um hospital, as enviamos a um. Também fazemos mediação familiar, para restabelecer a paz dentro das famílias destruídas por uma violação. E se o violador é conhecido ou se nasceu um bebê produto dessa violação, que costuma ser o mais maltratado entre as vítimas, procuramos fazer justiça.
IPS: De qual apoio precisa para continuar ajudando os outros?
TMM: Primeiro preciso de segurança. Às vezes ajudamos uma sobrevivente que se recupera bem. Mas, ao mesmo tempo, os rebeldes voltam e a violam novamente. É profundamente frustrante e me desanima. Outra coisa é a falta de fundos suficientes. Muitas vezes atendemos sobreviventes que estão há dois dias sem comer, uma pessoa refugiada com filhos, uma grávida ou um órfão de três anos. Sem dinheiro é difícil o processo de recuperação. Envolverde/IPS