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Porta sul-africana se desfaz

Johannesburgo, África do Sul, 2/4/2012 – A integração da África do Sul ao bloco de economias emergentes e sua posição única dentro da África levaram este país a assumir o papel de porta de entrada do continente. Contudo, há especialistas que duvidam se poderá manter essa posição, pois os investidores olham cada vez mais para outros mercados da região. Em 2003, a África do Sul passou a integrar o Ibas, que se completa com Índia e Brasil e, sete anos depois entrou para o Brics, formado também por Brasil, Rússia, Índia e China.

Inúmeros economistas previram que o crescimento dinâmico dos países Brics mudaria o poder econômico para o mundo em desenvolvimento. Também afirmaram que a África do Sul, como o país mais desenvolvido da África, tinha estrutura e serviços para abrir as fronteiras dessa região. Este continente é considerado o destino da década para os investimentos, considerando que este ano calcula-se que a África subsaariana crescerá 6%, em média, e que Angola, em particular, crescerá 12%, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A população africana, de um bilhão de pessoas, não se compara com os 3,8 bilhões de habitantes da Ásia, mas o mercado deste continente praticamente não floresceu, apesar de a maioria dos países estar em uma sustentada trajetória ascendente. A África do Sul deveria ser a primeira escala lógica para os investidores. Porém, especialistas em comércio regional, reunidos em meados de março em um fórum sobre Política Comercial da África do Sul, organizado pelo Instituto de Assuntos Internacionais da África do Sul (Saiia), questionou o conceito de “porta de entrada”.

Segundo Peter Draper, pesquisador do Saiia, “sim, a África do Sul representa o continente no G-20 (grupo de países industrializados e economias emergentes), mas este não é o ponto”. “Se uma porta de entrada deve funcionar como correia de transmissão entre os mercados globais e os regionais, bem como os centros produtivos, a pergunta deveria ser se a África do Sul pode utilizar sua infraestrutura física e material para desempenhar a função de conectar a África com o resto do mundo”, argumentou Draper. A resposta é um grande não.

“A necessidade de levar minerais da meseta da África central para os portos, utilizando a boa infraestrutura da África do Sul, fez com que se convertesse em um centro de transporte”, destacou Draper. “No entanto, do ponto de vista geográfico, a África do Sul não é bem localizada, e algumas das vantagens tradicionais se diluem com rapidez”, acrescentou. Lugares como a província sul-africana de Gauteng, ao norte, ou a costeira Cidade do Cabo, já não são, necessariamente, os postos avançados preferidos pelas multinacionais para conquistar o continente.

A razão não é apenas que a África do Sul esteja relativamente distante dos mercados do continente. A multinacional General Electric escolheu, há pouco tempo, Nairóbi, no Quênia, como seu centro subsaariano, seguindo o exemplo de Coca-Cola, Nestlé e Heineken. Em parte, a decisão teve a ver com o imprevisível ambiente normativo deste país, segundo especialistas. “Isto apresenta a dúvida de até que ponto as companhias estrangeiras continuam usando a África do Sul como conexão para o continente”, assinalou Draper, acrescentando que os centros povoados da África ocidental, e não este país, encabeçarão o crescimento futuro da região.

Dianna Games, diretora-geral da consultoria Africa@Work, disse que a África do Sul utilizou o conceito de porta de entrada para se posicionar no mundo. “Mas é uma ideia não necessariamente compartilhada pelo restante do continente”, apontou. “Na medida em que os investidores desagregam as diferentes regiões e os países do continente, a África do Sul perde peso em vários assuntos. Isto não significa que os demais Estados estejam necessariamente melhores, mas a realidade é que crescem, enquanto este país corre”, ressaltou.

A África do Sul, localizada em uma ponta afastada do continente, deve desenvolver estratégias progressivas para continuar atraindo investimentos, insistiu Games. “Os investidores vão direto a outros mercados africanos porque podem fazê-lo. O governo sul-africano não está preocupado com a queda de sua posição competitiva como deveria estar”, lamentou.

O porto sul-africano de Durban foi um dos mais caros do mundo, contou Games. Contudo, com a recuperação da costa oriental e ocidental da África, alguma a cargo de companhias de recursos naturais que buscam vias de exportação mais convenientes, os padrões comerciais começam a mudar na região. É possível que, com o tempo, Durban seja apenas mais um porto do comércio regional, e não o principal.

“Os investidores também estão preocupados pelas atuais políticas estatais, com as restrições à liberdade de imprensa e econômicas. A África do Sul perde seu status de exceção na África e, para alguns analistas, segue uma trajetória descendente, enquanto outras economias avançam com rapidez”, alertou. “Enquanto isso, as medidas tomadas por burocratas mesquinhos afetaram as relações entre a África do Sul e outros países do continente, que não costumam estar bem dirigidos”, afirmou Games.

Nesse vazio, China e Índia há tempos reforçam suas relações bilaterais com a maioria dos países africanos. E os Estados de língua portuguesa, especialmente Angola, se consolidaram como a porta de entrada do Brasil no continente. “Com 240 mineradoras australianas, entre outras, e mais de 800 empresas de gás e petróleo operando na África, o conceito de porta de entrada de desfaz”, insistiu Games.

“Muitas dessas firmas operam em seus países de origem e vão diretamente para os recursos que buscam, em lugar de instalar uma sede em algum país africano. Nos concentramos com força no Brics e não nas nações do continente. Mas o grupo poderia se desfazer”, alertou Games.

“Herdamos o papel de porta de entrada, que não foi necessariamente um objetivo político”, disse um funcionário sul-africano da área de comércio que não quis se identificar. “E, por certo, tampouco seremos os guardiões, que é a conotação que passa a ideia de porta de entrada”, acrescentou. Entretanto, não é relevante se a África do Sul perde seu status, acrescentou.

“Daremos as boas-vindas aos investimentos que forem diretamente a outros países africanos. Assim, aumentamos nossa trajetória coletiva de crescimento. Ou seja, nossas políticas funcionam e o continente cresce e se torna mais competitivo. Precisamos que a África cresça pelo próprio futuro da África do Sul”, concluiu. Envolverde/IPS