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Portugal afirma que não seguirá passos da Grécia

Lisboa, Portugal, 27/9/2011 – O governo de Portugal se empenha em demonstrar aos credores que não seguirá o caminho da Grécia e que já está criando uma estratégia para se proteger dos efeitos de uma reestruturação da dívida grega, considerada cada vez mais provável no curto prazo. Se a Grécia afundar, as regras do jogo mudarão e será necessário um novo e maior plano de resgate, que poderia incluir não apenas Portugal, mas Itália e Espanha, em uma reação em cadeia de consequências imprevisíveis para a zona do euro. Alemanha e França, as duas maiores economias da União Europeia (UE), poderiam ser forçadas a resgatar os bancos.

Em uma semana decisiva para o futuro da Grécia, com analistas e economistas prevendo sua inevitável saída da zona do euro, o português José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia (braço executivo da UE), garantiu no dia 25, na rede de televisão CNN, que “nenhum Estado-membro vai abandonar a moeda única”. O espanhol Joaquín Almunia, comissário da UE para a Competitividade, citado ontem no Jornal de Negócios, de Lisboa, ofereceu outra nota de otimismo ao considerar que Alemanha e França acabarão por tomar as decisões adequadas para combater a crise da dívida soberana, porque ambos “sabem o que está em risco”.

O mesmo jornal também reproduz declarações da chefe de governo alemã, Angela Merkel, qualificando de “muito séria” a crise das dívidas soberanas, mas defendendo a permanência da Grécia na zona do euro, pelo menos enquanto a UE e o Fundo Monetário Internacional (FMI) certificarem que Atenas cumpre o programa de ajuste econômico exigido. Porém, Merkel prometeu tornar mais duras as sanções aos países da zona do euro que não cumprirem os critérios de estabilidade, incluindo a perda de soberania.

O Tratado de Maastricht (1992) impõe o limite de 3% para o déficit e o teto de dívida de 60% do produto interno bruto (PIB) aos países da UE. Em 2010, Portugal superou em muito essa barreira, com um negativo 9,1%, que tenta baixar para 5,9% este ano, com a meta de cumprir o limite de 3% em 2013. Na semana passada, uma auditoria descobriu que o presidente do governo da Região Autônoma da Madeira, Alberto João Jardim, escondeu do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) um déficit de US$ 8,2 bilhões, o que provocou uma queda na credibilidade de Portugal.

A troika de credores internacionais formada por UE, FMI e Banco Central Europeu (BCE) para o resgate da fragilizada economia portuguesa se viu surpreendida por este novo aumento no déficit português, por ter concedido crédito de US$ 110 bilhões com base em dados oficiais do INE, onde não contava a cifra do arquipélago localizado no Atlântico, diante da costa do Marrocos.

O caso da Madeira fortaleceu a ideia de que Portugal viveu os últimos 15 anos gastando acima de suas possibilidades. Políticos populistas, cujo caso mais emblemático é o de Jardim, realizaram obras faraônicas que não se encaixam com a economia real de Portugal, o país da Europa com maior número proporcional de autopistas e centros comerciais, afirmam todas as análises econômicas. Entretanto, esta nação tentou passar a imagem de cumpridora, que nada tem a ver com a Grécia, tentando convencer os credores de que o caso da Madeira é um simples acidente de percurso.

Para passar essa imagem, o governo do conservador primeiro-ministro Pedro Passos Coelho adotou medidas draconianas, que afetam os mais pobres e as classes média e alta, no contexto de um país onde um quinto da população (18%, segundo dados oficiais, e 22%, segundo os sindicatos) vive em níveis de subsistência, com menos de US$ 600 por mês. Eletricidade, gás, água, combustíveis, transportes, remédios, creches, crédito para compra de moradia, matrículas e mensalidades escolares aumentaram significativamente em seu preço base e com a alta do imposto sobre valor agregado (IVA).

Quando o IVA passou de 6%, 13% e 19%, segundo o produto, para 23% generalizado, Portugal se converteu em um país mais caro do que a média da UE, com preços 20% maiores do que os da Espanha, por exemplo. Em muitos casos, como no de alguns medicamentos, seu valor pode até triplicar em relação ao que custa na Espanha. Ontem, a Assistência Social notificou 31 mil empresas que estão em risco de delito de “abuso de confiança fiscal” por manterem dívidas que somam US$ 887 milhões. Os impostos subiram de tal maneira que um empregado que no final do mês leva para casa o equivalente a US$ 930, por uma questão final custa para a empresa US$ 2.145, segundo cálculo do Jornal de Negócios.

Paulo de Morais, vice-presidente da Associação Transparência e Integridade, denunciou no dia 23 que os impostos que os portugueses pagam estão se “derretendo” em mecanismos de corrupção. Grande parte dos cerca de US$ 107 bilhões que o Estado arrecada anualmente é usada por “uma mega central de negócios, onde reina a promiscuidade entre pessoas que são alternadamente titulares de cargos públicos e administradores de grupos empresariais que fornecem para o Estado”, ressaltou Morais.

Para o ex-presidente socialista Mario Soares (1985-1995), Passos Coelho tomou medidas “sem pensar nos danos da recessão que estamos criando, agravando temerariamente o desemprego e a pobreza, destruindo a classe média”, disse à IPS. “Envolto em sua ideologia neoliberal, o governo não soube explicar aos portugueses o sentido das medidas e dos novos impostos, que tanto ferem os menos favorecidos e a própria classe média, algo particularmente perigoso em um futuro próximo”, acrescentou Soares, fundador do Partido Socialista (PS).

Segundo a comissão nacional do PS, o governo se distinguiu por promover a injustiça social, pelo descumprimento das promessas eleitorais e pela insensibilidade social, ao mesmo tempo em que rejeita a ideia de cobrar impostos “dos que vivem do lucro do capital financeiro”. Já os comunistas acusam o governo de conduzir Portugal para o desastre: “Cada dia que passa, o país afunda mais em uma profunda crise econômica e social sem precedentes, com um ataque muito agressivo contra a renda das famílias”, afirmam.

Neste contexto de medidas puramente financeiras, que segundo os críticos relegam o desenvolvimento econômico para segundo plano, as dificuldades das famílias são cada vez maiores, chegando inclusive a perderem suas casas. Até o final de junho, os seis maiores bancos nacionais haviam retomado, por falta de pagamento, imóveis no valor total de US$ 4,1 bilhões.

Em um informe divulgado no dia 18, a Caritas-Portugal, uma das 162 organizações nacionais que fazem parte da Caritas Internacional, revelou que os pedidos de ajuda cresceram mais de 40% no prazo de um ano. Dívidas de crédito com moradia, contas de água e luz, gastos com educação e remédios são os principais itens listados nas urgências das famílias. Ao mesmo tempo, as quebras de pequenas empresas acontecem cotidianamente, fazendo aumentar o desemprego em uma espiral cujo fim não se prevê no curto prazo. Envolverde/IPS