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Portugal queima e chora seus bombeiros caídos

Um veículo de bombeiros transformado em carro fúnebre. Uma mostra da tragédia que o fogo causa em Portugal. Foto: Daniel Mário/IPS
Um veículo de bombeiros transformado em carro fúnebre. Uma mostra da tragédia que o fogo causa em Portugal. Foto: Daniel Mário/IPS

 

Lisboa, Portugal, 30/8/2013 – Portugal fecha este mês com um saldo trágico de áreas florestais consumidas pelo fogo, em cujo combate já morreram cinco bombeiros voluntários. O último caso fatal ocorreu ontem com uma jovem de 21 anos. Os 114 focos de incêndio, 13 deles especialmente preocupantes por sua intensidade, consomem implacavelmente florestas no distrito de Viseu e nas localidades próximas de Vila Real, Guimarães, Braga, Amarante, Porto e Viana do Castelo, totalizando uma área semelhante a cinco cidades como Lisboa ou 41 mil campos de futebol.

Milhares de bombeiros dos quartéis de Estoril e Alcabideche, próximos a Lisboa, se despediram ontem, em uma emotiva cerimônia, de Bernardo Figueiredo, seu companheiro de 23 anos que morreu no dia 27, em serviço na Serra do Caramulo, a 300 quilômetros de seu quartel. Cinco dias antes, havia perdido a vida no mesmo incêndio a colega Rita Pereira, também de 23 anos e que foi companheira de Figueiredo nos cursos de formação do quartel de Alcabideche.

Ontem, a tragédia foi na Serra do Caramulo, com a morte da quinta vítima, a jovem Cátia Pereira Dias, da companhia de bombeiros de Carregal do Sal, aldeia dessa região. O comandante de bombeiros de Alcabideche, José Palha, em cujo comando se formaram Figueiredo e Pereira, não escondeu sua tristeza pela perda dos jovens. Eram duas pessoas de “grande generosidade, eram da mesma idade e nasceram no mesmo mês com apenas nove dias de diferença e, apesar da idade, ambos nunca duvidaram em partir para combater o fogo na Serra do Caramulo”, contou à IPS.

Somente este mês queimaram mais de 40 mil hectares de floresta em Portugal, segundo dados do Sistema de Informação Europeu de Incêndios Florestais, que contabiliza as zonas queimadas em tempo real através de imagens via satélite. Faltando dois dias para terminar o mês mais quente do verão em Portugal, a área incinerada é maior do que o total destruído em 2007 e em 2008. A sequência e a duração dos incêndios dos últimos dias estão deixando exaustos os “soldados da paz”, como afirmaram os dirigentes da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários, ao garantirem que o dispositivo de luta está no limite.

Palha disse à IPS que embora “Portugal tenha os meios necessários, que também são de grande qualidade para o combate terrestre, como caminhão-tanque, ferramentas, mangueiras e outros elementos, os meios aéreos são muito escassos e os equipamentos pessoais para os bombeiros, como trajes para altas temperaturas, capacetes e máscaras, são deficientes”. “Contamos com uns poucos helicópteros para despejar água, mas não com aviões. Os que usamos são de outros países, e, especialmente este ano, Espanha e França nos enviaram esses aparelhos”, acrescentou Palha.

A febril jornada do dia 25 registrou o maior número de incêndios, com 362 casos, que foram combatidos por quase 7.500 bombeiros, quando a quantidade máxima de efetivos disponíveis para a fase mais crítica é de 9.337. Entre a meia-noite do dia 25 e a tarde do dia seguinte, foram registrados 183 novos incêndios, 23 deles considerados os mais ativos e sete destes os mais graves, sendo necessária a utilização de veículos terrestres, aviões-tanque e helicópteros pesados, que realizaram 240 missões.

Informe divulgado no dia 26 pelo Instituto de Conservação da Natureza indica que entre 1º de janeiro e 1º deste mês queimaram cerca de 31 mil hectares no território continental e nos insulares de Açores e Madeira. Os especialistas afirmam que a maioria dos focos surge por negligência, incluída falta de prevenção, e também de modo intencional. A Polícia Judicial já deteve 50 pessoas acusadas de provocar incêndios florestais no norte do país. Os múltiplos incêndios, atiçados pela onda de calor e por fortes ventos, causaram até ontem seis mortes.

Aos cinco bombeiros acrescenta-se uma civil falecida há duas semanas no arquipélago luso-atlântico de Madeira, onde este fenômeno foi sentido com grande rigor em meados deste mês, queimando várias casas em aldeias vizinhas a Funchal, capital da região autônoma insular. Se mantinham ativos vários incêndios, causando especial preocupação os da Serra do Caramulo, Góis e Viseu, no centro-norte do país, onde o exército recebeu ordens de sair em apoio aos bombeiros com um regimento de engenheiros militares sapadores.

Segundo a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), além de Góis e Viseu, persistem incêndios em Serra do Caramulo, Silvares, Tondela, Resende, Castro Daire e Vouzela, todas localidades do distrito de Viseu. Também há incêndios em Montaria, Cousso/Paderne e Melgaço, comarcas do distrito Viana do Castelo, no extremo noroeste do país. A magnitude dos incêndios levantou a polêmica entre especialistas sobre a destinação de fundos para a alimentação dos bombeiros, que muitas vezes dependem da solidariedade da população, bem como para a prevenção de incêndios junto aos silvicultores e especialistas em política florestal.

Sobre o assunto, Carla Aguiar, assessora do Ministério do Interior, declarou à IPS que “não há comentários do ministro Miguel Macedo sobre essa controvérsia, pois o que deve ser enfatizado é que devemos realizar mais esforços para a prevenção de incêndios e que esta devem ser compartilhada por várias entidades”. Isto significa “não só os ministérios com competências no setor florestal, mas também as prefeituras e outras entidades municipais, sem esquecer as pessoas que também compartilham neste sentido”, destacou.

A assessora citou um comunicado do Ministério no qual indica que, de maneira semelhante ao ocorrido em anos anteriores, “foi instruído e fortalecido o sistema de financiamento da ANPC para proceder a este pagamento urgente dos custos de combustível e fornecimento de bombeiros mais fortemente envolvidos na luta contra incêndios florestais”.

Portugal, cujos 92.090 quilômetros quadrados de extensão o tornam o menor país do Mediterrâneo europeu, sofreu, entre 2006 e 2010, o maior número de incêndios e teve a maior superfície queimada dessa região, com 344.710 hectares, segundo um informe divulgado no dia 21 de março pela Organização das Nações Unidas (ONU). O documento afirma que Portugal, Espanha, Grécia e Itália representaram quase 80% da área total queimada entre 2006 e 2010 na costa do Mar Mediterrâneo, sendo a Península Ibérica responsável por mais de 50% desse índice. Envolverde/IPS