Posicionamento antes da COP 19 - Parte 1: Nações em desenvolvimento

Foto: http://www.shutterstock.com/
Foto: http://www.shutterstock.com/

Análise da posição de países e coalizões sobre o acordo climático global de 2015 atualmente em negociação nas conferências das Nações Unidas.

Ao longo dos últimos meses, países e coalizões compartilharam suas expectativas sobre os resultados das negociações para alcançar um novo acordo climático das Nações Unidas até 2015, que deve ser adotado em Paris. Estas submissões escritas tem um papel especialmente particular no processo de negociações devido à ausência de uma sessão adicional de discussões entre o encontro realizado em junho e a Conferencia de Varsóvia, em novembro. Neste contexto, as submissões oferecem um bom panorama dos rachas que podem ser esperados entre os posicionamentos dos países na próxima conferência.

A data da submissão dos compromissos nacionais, o papel da revisão dos compromissos internacionais, o grau de diferenciação entre os países e o nível das obrigações incluídas no acordo de 2015 são talvez os quatro pontos de desentendimento mais importantes, indicando que as discussões serão difíceis até chegar em Paris.

Parte 1: Países em desenvolvimento

Os caminhos do BASIC até o acordo de 2015

As submissões de Brasil, Índia e África do Sul fornecem talvez as lições mais interessantes desta analises, já que enfatizam três conjuntos de prioridades dentre os membros do BASIC – incluindo algumas divergências marcantes de pontos de vista (até 22 de outubro, a China não havia apresentado submissão escrita).

Índia: obrigações e conformidade diferenciadas

Relembrando a sua posição anterior sobre a questão, a Índia enfatizou a sua forte expectativa que as negociações respeitem a estrutura atual da convenção e seus anexos. Portanto, os países devem continuar divididos em duas categorias com base nos anexos à convenção. O país alerta que qualquer tentativa de categorizar os países de forma diferente do que foi feito em 1992 seria uma violação das negociações.

A submissão indiana também ressalta que o processo para o acordo climático de 2015 deve lidar com todos os quatro pilares da convenção (mitigação, mas também adaptação, e apoio financeiro e tecnológico), além da capacitação.

Em termos de conformidade, a Índia solicita um mecanismo baseado no Protocolo de Quioto que garantiria o respeito pelos países do Anexo I às suas obrigações, sendo que elas seriam baseadas na ciência. Para países não incluídos no Anexo I (em desenvolvimento e emergentes), a sugestão é apenas para incentivar positivamente a melhoria da conformidade.

Brasil: reavaliando a responsabilidade histórica e lançando debates nacionais

O Brasil também argumenta pela diferenciação baseada nos anexos da convenção, indicando uma distinção legal entre os compromissos de ambos os grupos. Segundo o país, a forma do novo acordo deve garantir: ambição, efetividade, equidade e flexibilidade. A submissão tem duas propostas principais.

Primeiramente, o país sugere que as emissões históricas cumulativas devem ter um papel importante na definição das responsabilidades de mitigação. O Brasil defende que as emissões desde 1850 devem ser consideradas na avaliação e pede pela adoção de um processo de curto prazo que deve incluir o IPCC. O processo permitiria que os países apresentassem avaliações simplificadas das suas emissões históricas durante o encontro climático da ONU organizado por Ban Ki-moon em setembro de 2014.

Um segundo passo seria a organização de debates nacionais – iniciando após a conferência de Varsóvia – para discutir domesticamente os compromissos de cada país no acordo de 2015. O país argumenta que apenas tais debates nacionais podem dar força aos governos para se comprometer em Paris.

África do Sul: um protocolo legalmente compulsório para todos

A posição articulada pela África do Sul no seu documento de setembro é bem diferente dos aliados do BASIC. O país é bem explicito em relação a sua ambição de ver como resultado das atuais negociações a adoção do novo protocolo (uma opção que a Índia tem se oposto veementemente) e sobre a necessidade de que todas as partes aceitem compromissos compulsórios. Estas obrigações incluiriam metas de corte nas emissões para toda a economia nos países industrializados e reduções relativas para as nações em desenvolvimento. Estes compromissos seriam registrados no novo acordo com base em períodos sucessivos e acompanhados de mecanismos de conformidade (portanto, seguindo uma abordagem similar ao Protocolo de Quioto).

A África do Sul também propõe um processo passo a passo de definição de metas para cada país. No próximo ano, as nações fariam propostas iniciais, seguidas por metas quantificadas em 2015.

A conferência de Paris revisaria estas metas e indicaria ajustes baseados em uma Estrutura de Referência em Equidade e nos resultados da revisão realizada em 2013-2015 da meta global.

As metas atualizadas seriam então subscritas no acordo climático em 2017.

Grupo africano: um resultado equilibrado baseado no principio da convenção

A proposta sul africana também diverge de vários elementos da submissão do Grupo africano. Esse documento constitui um misto de propostas top-down e botton-up (de cima para baixo e de baixo para cima, respectivamente).

O grupo defende a adoção de novas metas globais, não apenas para a limitação do aumento nas temperaturas, mas também para o corte nas emissões, adaptação e apoio financiamento e tecnológico. Eles solicitam uma revisão da adequabilidade dos compromissos nacionais de todos os países com base em uma estrutura de referência que incluiria elementos científicos e de equidade (como os princípios da convenção relacionados a responsabilidade histórica, capacidade e necessidade de desenvolvimento).

Porém, o grupo sugere apenas um mecanismo de conformidade facilitador para os países industrializados (ou, aqueles contidos no Anexo I), se referindo aos elementos fracos do Plano de Ação de Bali ao invés de ferramentas mais robustas e focadas na execução fornecidas pelo Protocolo de Quioto. O grupo também sugere que consultas nacionais, definindo os compromissos de cada país, começariam apenas no inverno de 2014, com a revisão científica e baseada na equidade iniciando após 2015.

Grupo de países em desenvolvimento com pensamento alinhado (LMDCs, em inglês): reafirmando os princípios da convenção e o papel dos anexos de 1992

Avançando a partir de submissões anteriores, este grupo (composto por Bolívia, China, Cuba, Equador, Egito, Índia, Mali, Malásia, Nicarágua, Filipinas, Arábia Saudita, Tailândia e Venezuela) enfatiza principalmente a sua oposição a qualquer desvio da atual diferenciação de países (Anexo I e não Anexo I), reafirmando seus compromissos com o respeito aos princípios da convenção. Os LMDCs sugerem que apenas tal abordagem pode chegar a uma situação em que todos ganham, garantindo benefícios às pessoas, clima e desenvolvimento.

Em relação aos compromissos de mitigação, a submissão pede pela adoção de metas abrangendo toda a economia para os países do Anexo I – objetivando minimizar os impactos adversos de tais políticas sobre outras nações. Os países que não estão no Anexo I participariam através da implementação das Ações Nacionais de Mitigação Apropriada (NAMAs) com o apoio de países do Anexo 2.

Os LMDCs também enfatizam a importância do equilíbrio entre os fluxos de trabalho (curto prazo e ambição pós 2020) e os diferentes elementos dentro de cada uma destas discussões, ressaltando a obrigação dos países industrializados (Anexo 2) de apoia-los financeira e tecnologicamente (incluindo através da remoção de barreiras à Propriedade Intelectual).

Países Menos Desenvolvidos: um resultado ambicioso lidando com a ausência de conformidade

A submissão deste grupo (veja a lista do 48 países) contem vários elementos interessantes.

Primeiramente, é a única coalizão que se refere a importância de melhorar a ambição da meta global, limitando o aumento da temperatura a 1,5º C. Os menos desenvolvidos pedem pela adoção de um protocolo compulsório garantindo o respeito a regras básicas que seriam acordadas coletivamente e com base na ciência mais recente. A coalizão forneceu a única submissão que se refere à vulnerabilidade do regime global a um país que resolva agir por conta própria. Assim, o documento pede pela elaboração de regras, incluindo a relação com países que não façam parte do acordo (um assunto que atualmente é um tabu nas negociações).

Em relação aos compromissos de mitigação, eles sugerem flexibilidade para os países em desenvolvimento, permitindo a consideração das circunstâncias nacionais.

Leia a parte 2.

* Traduzido por Fernanda B. Müller.

* Publicado originalmente no Adopt a Negotiator e retirado do site CarbonoBrasil.