Lucca, Itália, 17/10/2013 – Niscemi, com seus 30 mil habitantes e suas casas brancas, é um típico povoado do sul da ilha italiana de Sicilia. Destaca-se não só por seu antigo bosque de sobreiro, mas também por antenas e radares militares que os Estados Unidos instalaram dentro dessa área protegida. Quase um terço do município está coberto por sobreiros, vestígios das florestas de carvalho que alguma vez cobriram a parte centro-sul da Sicilia.
Entretanto, bem dentro do bosque de três mil hectares, que em 1997 foi declarado Sítio de Importância Comunitária, fica a Instalação de Transmissão de Rádio Naval (NRTF), com cerca de 40 aparelhos de rádio para comunicações com aviões, satélites e submarinos militares. Apesar de oficialmente a base pertencer ao exército italiano, seu uso está reservado à marinha dos Estados Unidos, como parte da Estação Aeronaval de Signonella. Nos últimos anos a NRTF se converteu em alvo de protestos dos moradores de Niscemi.
A base possui uma das quatro estações de terra do Sistema Objetivo de Usuário Móvel (Muos), um novo e ambicioso sistema de comunicação via satélite que, segundo o site da marinha norte-americana, terá capacidade dez vezes superior à do atual. Algumas partes dessa instalação já são visíveis do centro do povoado, e muito mais se vê nas imagens obtidas por satélite, onde três antenas de 20 metros de diâmetro se destacam na paisagem árida da zona rural siciliana.
O sistema está integrado por outras três estações terrestres – uma na Virgínia, uma no Havaí e outra em construção na Austrália – e por uma rede de quatro satélites operacionais mais um sobressalente. “As antenas do NRTF foram instaladas em 1991 e geraram certa preocupação pelos possíveis riscos para a saúde”, disse à IPS a advogada e ativista Paola Ottaviano. “E, em 2009, começaram a circular boatos sobre um novo projeto envolvendo três grandes antenas adicionais, e as pessoas concluíram que já era demasiado”, acrescentou.
Começaram, então, a formar comitês contrários às novas instalações, contou Salvatore Giordano, porta-voz do Conselho de Coordenação Regional Não a Muos. “E em 2011 algumas centenas de pessoas participaram da primeira manifestação. Um ano depois em 30 de março de 2012, éramos 20 mil”, afirmou Ottaviano. Para os ativistas, os possíveis riscos para a saúde não são o único motivo para se opor ao Muos. “A floresta de sobreiros se converteu em um Sítio de Importância Comunitária por sua flora e fauna únicas, que precisam ser preservadas, e não sabemos que impacto podem ter as ondas eletromagnéticas sobre a biodiversidade” do lugar, ressaltou.
A resposta, por escrito, da Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia) a uma consulta parlamentar sobre o assunto afirma: “A Diretriz 92/43/CEE (1) relativa à conservação dos habitat naturais e da fauna e flora silvestres não proíbe a construção de infraestruturas de telecomunicação por satélite ou perto de Sítios de Importância Comunitária. É necessário determinar caso a caso a compatibilidade de tal obra com os objetivos de conservação de um sítio”.
Por outro lado, no site digital do consulado norte-americano em Nápoles, Washington assegura que a estação terrestre do Muos respeita todos os padrões aplicáveis em matéria de segurança e saúde que vigoram na Itália e nos Estados Unidos. As autoridades também alegam que, segundo os resultados do Estudo do Terminal Terrestre do Muos no Havaí e na Virgínia, os níveis reais de radiação eletromagnética são inferiores ao máximo permitido por lei, tanto para pessoas que trabalham no sítio como para as que vivem nas proximidade.
A fase inicial da construção esteve repleta de controvérsias. Segundo o site do consulado norte-americano, foi o Ministério de Defesa da Itália que deu a aprovação para a instalação do Muos dentro da base do bosque. Contudo, o porta-voz dessa pasta não confirmou essa informação e negou-se a responder as perguntas da IPS. Como o projeto fica em um Sítio de Importância Comunitária, é preciso a aprovação das autoridades locais para que as obras possam ser feitas.
“A autorização chegou em junho de 2011, mas temos um documento da marinha dos Estados Unidos com imagens que mostram claramente as bases das antenas já instaladas, e a legenda diz ‘Niscemi, abril de 2009’. É por isso que recorremos aos tribunais, para demonstrar que era ilegal iniciar as obras”, explicou Ottaviano. Tanto a marinha dos Estados Unidos quanto sua embaixada na Itália se negaram a responder as perguntas sobre o projeto Muos, por isso é impossível refutar ou confirmar essa afirmação.
Em março deste ano, o novo governo da região da Sicilia decidiu revogar a autorização, pressionado pelos protestos da sociedade e pela municipalidade de Niscemi, que solicitara uma avaliação de riscos independente. Os físicos Massimo Zucchetti, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Massimo Coraddu, da Universidade Politécnica de Turim, afirmaram em um estudo que as pesquisas já existentes mostravam que havia sido alcançado o limite das emissões permitidas e era provável que em alguns casos tenha sido superado.
Os cientistas afirmaram que a informação dada sobre o Muos era incompleta e parcialmente contraditória. Porém, podia-se concluir que havia possibilidade de riscos para o ecossistema do bosque de sobreiros, para o tráfego aéreo e para a saúde da população local. O Instituto Nacional de Saúde italiano tem opinião diferente. Em um documento que divulgou em julho afirma que não foi encontrada nenhuma evidência de possíveis perigos em razão dos efeitos conhecidos dos campos eletromagnéticos. As atividades de construção do Muos foram reiniciadas em 20 de agosto.
“Após receber esses resultados do Instituto Nacional de Saúde, não tivemos opção a não ser levantar a suspensão da autorização”, disse à IPS Maria Lo Bello, presidente do comitê ambiental regional. “A região da Sicilia lamenta profundamente que as obras continuem, e não podemos dar garantias de que não haverá consequências para a saúde da população de Niscemi, mas não há nada que possamos fazer”, enfatizou.
Entretanto, do documento do Instituto consta que os habitantes de Niscemi apresentam uma situação de saúde crítica em comparação com o resto da região. Foram encontradas quantidades excessivas de câncer de fígado e outras doenças hepáticas, de mieloma múltiplo (ou câncer das células plasmáticas) e de patologias neurológicas, entre outras, para as quais não se pode determinar uma causa precisa, afirmou o Instituto, que recomendou realizar mais pesquisas.
Em outras palavras: terão que ser feitos mais exames, mais medições e mais estudos. “Levará tempo, mas somos pacientes. Porque o importante é que as pessoas saibam que esse projeto se baseia no engano. E quanto tempo pode durar o engano?”, destacou Giordano. Envolverde/IPS