![Mulher vítima de um explosivo abandonado. Foto: Athar Parvaiz/IPS](http://www.envolverde.com.br/wp-content/uploads/2013/12/shell-629x419.jpg)
Mulher vítima de um explosivo abandonado. Foto: Athar Parvaiz/IPS
Srinagar, Índia, 4/12/2013 – A vasta e pitoresca pradaria de Tosamaidan, 112 quilômetros a oeste dessa capital do Estado indiano de Jammu e Caxemira, se converteu em uma zona mortal devido às manobras de artilharia realizadas pelo exército. Os projéteis sem explodir que estão dispersos nos pastos arruinaram muitas vidas. Reshma perdeu, em 1997, seu filho de 19 anos, Bilal Ahmad, quando ele jogava perto da pradaria. “Sou mãe e não quero ver mais crianças morrendo assim”, disse à IPS.
Em 1964 o exército da Índia assinou com o governo estadual contrato de arrendamento da pradaria, de mais de 150 hectares, por 50 anos. O acordo terminará em abril do próximo ano, e os moradores de mais de 30 aldeias em torno de Tosamaidan iniciaram uma campanha contra sua renovação. Eles denunciam que os projéteis causaram um grande número de mortes e deixaram centenas de feridos, além de aniquilar o gado e prejudicar o potencial turístico da área.
“Não queremos que nossos filhos sofram como nós”, afirmou Fatima Begam, da aldeia de Jag, mãe de três filhos. “Se nossos pais tivessem dito em 1964 que o exército não deveria realizar exercícios militares perto de nossas aldeias, não teríamos sofrido”, disse Begam à IPS, à porta de sua casa.
O vale da Caxemira foi por décadas cenário de um sangrento conflito entre Índia e Paquistão. Pelo menos 60 mil pessoas perderam a vida desde que eclodiu a insurgência separatista de 1989. A partir de então há uma grande mobilização de tropas indianas na região. Agora o exército procura assinar novo acordo de arrendamento de Tosamaidan por mais 20 anos. O tenente-coronel N. N. Joshi, porta-voz do exército em Srinagar, afirmou à IPS: “Não posso dizer nada além de que a renovação do contrato está sendo discutida”.
Mas os moradores de Jag, Beerwah, Arzal e muitas outras aldeias se opõem veementemente a que isso aconteça. Uma investigação feita por um legislador da Caxemira, em agosto do ano passado, revelou que pelo menos 63 pessoas morreram vítimas de projéteis dispersos pela pradaria. Os dados foram levados ao ministro-chefe de Jammu e Caxemira, Omar Abdalá. Desde então os moradores, que exigem o fim dos exercícios militares, receberam o apoio de organizações defensoras dos direitos humanos e de vários políticos da Caxemira.
Mehbooba Mufti, presidente estadual do Partido Democrático do Povo, oposição na região, pediu o fim dos exercícios militares e que se aproveite a beleza de Tosamaidan para atrair o turismo. “Não se pode ignorar o pedido de milhares de aldeões que sofrem em muitas frentes devido a esses exercícios militares”, argumentou Mufti à IPS. Líderes do governante partido regional Conferência Nacional também são contra a extensão do contrato de arrendamento. O governo da Caxemira criou um comitê de alto nível para estudar o caso e apresentar um relatório, enquanto crescem as vozes contra os exercícios militares.
“Tanto pelos princípios como do ponto de vista legal, o governo tem razões suficientes para suspender os exercícios. Além disso, um governo democraticamente eleito sempre tem que considerar as genuínas demandas de seu povo”, afirmou em seu editorial de 12 de novembro o jornal Kashmir Uzma, em língua urdu. Os aldeões também denunciam que os disparos de artilharia afetam suas formas de sustento.
“Esses exercícios afetam as atividades relacionadas à agricultura e ao gado, além de arruinar todas as possibilidades de se desenvolver a área como destino turístico”, pontuou Arjumand Talib, que publicou diversos trabalhos sobre o conflito e a economia da Caxemira. Ajtar Hussain, morador de Jag, disse que as atividades econômicas na região se tornaram praticamente impossíveis. “Há alguns anos, o exército impediu a construção de uma estrada na área, argumentando que permitiria aos aldeões acesso fácil ao acampamento militar”, recordou Hussain à IPS.
Os aldeões dizem que não há apenas projéteis nas zonas mais altas da pradaria, onde pasta o gado, mas também muito explosivo rola para áreas mais baixas quando caem as torrenciais chuvas de verão. Em maio deste ano, foi possível evitar uma tragédia quando um morador alertou um ativista social que havia um projétil sem explodir perto de um riacho. “Um de nossos moradores, Bashir Ahmed, me telefonou para informar havia encontrado um artefato suspeito perto do riacho. Imediatamente informei a polícia, que o explodiu de forma segura”, contou à IPS o ativista Raja Muzaffar.
“Lamentavelmente, isso nem sempre acontece. Na maioria das vezes as pessoas encontram esses projéteis e começam a manipulá-los ou pisam neles acidentalmente”, destacou o ativista. Muzaffar e outros ativistas apresentaram uma petição à Comissão de Direitos Humanos do Estado de Jammu e Caxemira. “Temos a esperança de que a comissão dê claras instruções ao governo estadual para que não arrende mais essa terra”, ressaltou Muzaffar à IPS. Envolverde/IPS