Morto há 25 anos, Prebisch continua atual no cenário de retrocesso da industrialização no Brasil e na América Latina, da dependência das commodities e da volta do debate sobre a “questão nacional”. Nada melhor assim do que ler a magistral biografia sobre Raúl Prebisch e seu tempo, do professor canadense Edgar J. Dosman, traduzida por iniciativa do Centro Celso Furtado (em coedição com a Contraponto, a ser lançada em São Paulo em 15 de agosto).
A relação fecunda, às vezes conflitiva entre Celso Furtado e Prebisch recebe no livro o relevo que merece. O autor reconhece como decisiva a contribuição intelectual do jovem ex-expedicionário brasileiro na edificação do arcabouço teórico da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina da Organização das Nações Unidas (ONU), liderada pelo economista argentino.
A infeliz decisão de impedir a divulgação do estudo da economia mexicana dirigido por Furtado levou este último a romper, em 1957, com Prebisch, do qual era considerado o natural sucessor. Na descrição do episódio, Dosman não esconde os erros e fraquezas de seu biografado. Sertanejo destemido, Celso perde no terreno do poder, mas sai vitorioso no da coerência e integridade moral.
Reconciliados mais tarde, os dois se tornariam os únicos latino-americanos capazes de criar pensamento original sobre o desenvolvimento com profunda e duradoura influência no mundo. Mais do que simples biografia, o livro traz de volta as grandes discussões no Brasil do pós-guerra sobre a “questão nacional”, isto é, a passagem definitiva do estágio herdado da economia colonial e dependente para o de um desenvolvimento voltado à integração do mercado nacional.
Ressoam na obra os ecos da polêmica provocada pelas conferências ortodoxas de Jacob Viner, a defesa por Gudin e Bulhões da opção pelas vantagens comparativas do Brasil em agricultura, contrapostas aos partidários da criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e da implantação de indústria de bens de capital.
À luz de hoje é curioso ler sobre as ameaças de Roberto Campos e do governo Castelo Branco ao instituto de pesquisas criado por Prebisch, por ter este abrigado em Santiago “esquerdistas” conspícuos como Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort…
Fica da leitura o sabor melancólico de que, como todo profeta, Prebisch foi mais seguido pela China e países asiáticos do que em sua própria terra. A industrialização que ele pregava não era a mera substituição de importações com protecionismo. Essa não passava da etapa inicial da conquista de competitividade mediante a exportação de manufaturas a mercados externos.
Quem aplicou de modo correto a estratégia foram os chineses. Lograram, por isso, escapar da periferia e se converterem no centro da nova distribuição internacional do trabalho. Enquanto isso, o Brasil e a América Latina continuam a gravitar na periferia.
Só mudaram, uma vez mais, de centro de dependência.
As commodities latinas não são muito diversas das do passado. Apenas voltaram aos bons preços que durante décadas criaram a prosperidade ilusória da Argentina. Até a crise de 1930 acarretar o colapso que marcou para sempre a vida de Prebisch. Será diferente esta vez?
* Rubens Ricupero é representante permanente do Brasil junto aos órgãos da Organização das Nações Unidas sediados em Genebra e embaixador nos Estados Unidos.
** Publicado originalmente no site EcoD.