Relatório científico, publicado nos Anais das Academias de Ciências dos Estados Unidos propõe um imposto sobre carbono, de preferência no início da cadeia de suprimentos e com um efeito cascata da extração da energia e das matérias primas até o consumidor, como melhor solução para a política de redução de gases estufa.
O relatório sai em um momento no qual o tema da mudança climática está em baixa na agenda política da Europa e do EUA, dominada pela crise econômico-financeira. Mas os sinais de que o tema não será abandonado e em algum momento ocupará o centro da agenda estão por todos os lados, na Europa e no EUA, das ruas à TV.
A mudança climática terá presença garantida na campanha presidencial nos Estados Unidos. O Tea Party, a ala de ultra-direita do partido Republicano, tem feito propaganda constante tentando desacreditar a ameaça da mudança climática e a ciência do clima. Um dos pré-candidatos, o governador do Texas Rick Perry, tem censurado a ciência do clima em seu estado. Recentemente um relatório científico foi rejeitado pela agência ambiental do governo texano, com o argumento de que as conclusões dos cientistas contrariavam a política da agência. Mesmo candidatos mais moderados, como Mitt Romney, acabam tratando negativamente do tema, diminuindo sua importância e urgência, em busca do voto do organizado Tea Party. Os setores democratas e mais progressistas fazem o contraponto, sublinhando a importância do tema. É o que vem fazendo, por exemplo, o “Ed Show“, programa de notícias e comentários políticos da TV MSNBC comandado por Ed Schultz. Obama tem sido duramente cobrado pelos ambientalistas por seus recuos na questão climática. Mas o reconhecimento de que sua política de estímulo a setores de tecnologia limpa está criando empregos verdes vai se disseminando. O movimento “occupy Wall Street” acabou ganhando tal expressão, em New York, outras cidades do EUA e pelo mundo a fora que não pôde continuar sendo ignorada pela mídia. Sua demanda principal é por redução das igualdades e ampliação das oportunidades, mas ganhou um forte componente ambiental com a adesão em massa dos ambientalistas. No EUA, as maiores organizações e lideranças do ambientalismo estão agora à frente das manifestações. O movimento combina a crítica econômica ao capitalismo, denúncias sobre as disfunções da democracia contemporânea e a corrupção política e condenação da inércia em relação à mudança climática.
É pouco provável que a discussão sobre mudança climática chegue, entretanto, a dominar a pauta da campanha e chegue ao detalhamento de políticas públicas com este fim. Mas, nos próximos anos, no mundo todo, a discussão sobre o imposto sobre o carbono será inevitável e deve ganhar força em algum momento ao longo da década.
O estudo, “The supply chain of CO2 emissions“, de Steven J. Davis, Glen P. Peters, and Ken Caldeira, já havia circulado, mas agora foi publicado, em revista de prestígio, após ser revisto por outros cientistas. A pesquisa analisou a matriz de emissões de carbono de 112 países e 58 setores industriais. A análise mostrou que 51% de todos os gases estufa emitidos por ações humanas estão associados a combustíveis fósseis ou bens primários ou intermediários que saíram de outros países. Mais, 67% das emissões globais de carbono seriam cobertas se a regulação do uso de combustíveis fósseis ocorresse no ponto de extração.
A conclusão dos autores é que se um preço consistente e inescapável fosse imposto ao carbono na base da cadeia de suprimentos, produziria um efeito cascata, levando a todos os participantes da cadeia a repassar esse custo para a frente. A concentração geográfica dos combustíveis fósseis em um pequeno número de países envolvidos na sua extração e beneficiamento ou refino sugere que o imposto regulatório na boca do poço, na porta da mina ou na usina de refino ou beneficiamento diminuiria a complexidade da regulação e reduziria sensivelmente as vias de escape desse imposto.
Certamente não é uma ideia factível hoje, neste mundo em crise econômica. Mas traz uma série de elementos para a discussão inevitável de como estabelecer um preço para o carbono. Esse é um caminho praticamente inescapável que muito provavelmente será seriamente considerado no futuro.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.