Dificilmente encontraríamos um leitor de CartaCapital que discordasse que o excesso de carga fiscal é um dos piores (se não, o pior) dos problemas que a economia brasileira tem sido obrigada a suportar nos últimos 15 anos, pelo menos. É um páreo duro com a taxa de juros. De fato, para uma renda per capita entre 10 mil e 12 mil dólares, os brasileiros sobrevivem com uma tributação da ordem de 36% de tudo o que é produzido, a mais elevada do mundo para os países de nível de renda semelhante.
Uma parte da explicação desse fato reside no desenho que a Constituição de 1988 impôs ao País. Ela expressa a preferência revelada pela sociedade brasileira na eleição de 1986, a primeira realizada livremente depois da abertura democrática de 1984. Apesar de alguns exageros, ela está longe de implicar suicídio democrático, isto é, tornar o Brasil ingovernável, como se afirmou na época.
Em princípio, a preferência revelada pelos brasileiros (por seus legítimos representantes na Assembleia Nacional Constituinte) foi que desejavam a organização de um Estado republicano, no qual todos são absolutamente iguais perante a lei, sob a garantia de um Supremo Tribunal Federal independente e com um sistema democrático que defina em eleições periódicas e livres quem será o poder incumbente e que tenha, como objetivo permanente, a contínua redução das desigualdades individuais. Dito de outra forma, a construção de uma sociedade que vá, pouco a pouco, garantindo a igualdade de oportunidade para todos.
É absolutamente claro que esse processo tem uma boa dose de utopia, que deve começar com a tentativa de dar a todo cidadão duas igualdades básicas, sobre as quais se constroem todas as outras: acesso à saúde e à educação. É por isso que a Constituição brasileira é a única no mundo que determina que as duas sejam universais e gratuitas: ninguém pode ser excluído e o acesso não depende da capacidade de pagar.
O processo civilizatório, já implícito na Constituição, que se desenvolve no Brasil neste momento, exige que o Estado, através dos governos sucessivos livremente eleitos, execute políticas públicas que acelerem o acesso à saúde e à educação e retirem da pobreza absoluta o estoque de cidadãos aos quais não foi dada no passado a oportunidade de se inserir adequadamente no sistema produtivo.
A execução de tal programa não deve limitar-se a ações assistenciais. Estas devem ser usadas como alavancas para dar a todo cidadão que pode e deseja trabalhar o suporte mínimo para inseri-lo, acomodá-lo e estimulá-lo a construir sua própria vida e livrar-se da dependência estatal que reduz a sua cidadania.
É por isso que é fundamental construir um Estado-Indutor que se organize de forma eficiente, juntamente com um setor privado altamente competitivo, capaz de dar-lhe os recursos para a realização do programa sem prejudicar o desenvolvimento. Este é o Estado meritocrático e profissional que quer construir a presidenta Dilma, com o novo Comitê de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, que inaugurou no dia 11 de maio, designando para chefiá-lo o bem-sucedido gestor Jorge Gerdau Johannpeter, que terá ainda a companhia do empresário Abilio Diniz e dos exe-cutivos Antonio Maciel Neto e Henri Philippe Reichstul.
As diretrizes para o trabalho do grupo seguem uma orientação correta, diante do fato referido nas pesquisas de vários institutos de inegável seriedade, que o problema maior para acelerar o desenvolvimento social e econômico brasileiro não é, propriamente, carência de recursos, como se demonstra pelos altos níveis da arrecadação de tributos, mas a sua má gestão de parte do Estado. Os objetivos estão colocados com bastante clareza: formular política e medidas destinadas à racionalização do uso dos recursos, ao controle e aperfeiçoamento da gestão pública, bem como coordenar sua implementação com vistas à melhora dos padrões de eficiência, eficácia, efetividade, transparência e qualidade da gestão pública e dos serviços prestados aos cidadãos.
Para os céticos de plantão, toda essa ênfase pode soar apenas como simples manifestação de intenção, mas me parece em realidade um firme sinal de que governo e segmentos importantes do setor privado se convenceram de que é chegada a hora de enfrentar o desafio de melhorar substancialmente a relação custo-benefício dos serviços públicos no Brasil, seguramente uma das maiores do mundo.
* Delfim Netto é economista, formado pela USP, e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.