Qalandia, Cisjordânia, 17/5/2011 – Israel calculou mal. Acreditou que manteria sob controle o dia da Nakba (catástrofe), comemorada com três dias de mobilizações que culminaram com a Grande Marcha, para recordar o deslocamento maciço de palestinos que há 63 anos marcou o nascimento do Estado judeu. Milhares de refugiados palestinos desarmados marcharam pelas fronteiras de Israel da Cisjordânia, Gaza, Líbano, Síria, Jordânia e Egito.
Na Síria, dezenas se juntaram para escalar o muro fronteiriço e cruzar rumo às colinas de Golan, anexadas por Israel. O Exército israelense matou a tiros 14 manifestantes do Líbano e da Síria, acusando as forças libanesas de serem responsáveis pelas mortes de seus compatriotas. Estas passagens de fronteira pegaram de surpresa funcionários de inteligência e de segurança de Israel. Esperando manifestações maciças dentro dos territórios ocupados e inclusive de Israel, milhares de policiais antidistúrbios foram colocados em alerta máximo em áreas onde poderia haver enfrentamentos. Poucos soldados se encarregaram das fronteiras ao Norte.
Forças de segurança do Egito e da Jordânia impediram que centenas de simpatizantes pró-palestinos cruzassem para Israel. A polícia egípcia usou métodos de dispersão contra milhares de manifestantes que, em Alejandria e no Cairo, protestavam fora da embaixada e do consulado de Israel. Enquanto isso, milhares de palestinos ficaram feridos na Cisjordânia e em Gaza. Soldados israelenses apontaram suas metralhadoras contra centenas de palestinos desarmados, muitos deles mulheres e crianças, quando se aproximaram da passagem de Erez, no Norte da Faixa da Gaza. Um palestino morreu e houve dezenas de feridos graves.
A IPS permaneceu durante o dia 15 na passagem de Qalandia, na ocupada Jerusalém oriental. Durante o dia, ambulâncias com sirenes ligadas seguiam de um lado para outro enquanto lutavam para abrir caminho nas ruas, onde cerca de mil palestinos jovens enfrentaram centenas de soldados israelenses, bem como policiais antidistúrbios e à paisana.
A queima de pneus soltava uma fumaça negra que se misturava às nuvens de gás lacrimogêneo. Dezenas de palestinos foram tratadas por complicações causadas pela inalação desse gás, e alguns sofreram ataques enquanto os médicos comentavam a incomum intensidade do gás. Dezenas de outros palestinos foram tratadas pelos ferimentos feitos por balas de aço recobertas por borracha, disparada de curta distância.
Os enfrentamentos em Qalandia, que continuaram até a noite, foram marcados por implacáveis ondas de homens jovens que se aproximaram do posto de controle até que o gás e os disparos os fizessem retroceder. A atmosfera desafiadora se caracterizou pelo que parece ser uma nova unidade de propósito. Um dos manifestantes mascarados, que parou para comer um sanduíche e tomar água, disse à IPS que lutará contra os israelenses até o final. “Querem expulsar meus avós de sua casa em Sheikh Jarrah, em Jerusalém oriental. Por acaso, deveríamos ficar sentados de braços cruzados? Penso que não”, afirmou.
Enquanto observava os enfrentamentos, Yazen, dono de uma loja de para-brisas, disse à IPS que “outro levante palestino (Intifada) está a caminho”. Na primeira Intifada, Yazen passou seis anos em uma prisão israelense. Seu irmão cumpre atualmente condenação de 17 anos por resistência militar à ocupação. Ativistas dos dois principais partidos palestinos, Fatah e Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) se mantiveram firmes enquanto ônibus carregados de palestinos de outras cidades e povoados da Cisjordânia uniam-se a eles.
Os comércios localizados ao longo da rua se converteram em improvisadas clínicas, enquanto equipes de médicos palestinos tratavam dos feridos no chão. Os comerciantes, que decidiram não trabalhar nesse dia, permitiram aos manifestantes se abrigar dos disparos e do gás e lhes deram água e lenços. Donas de casa lhes entregavam batata e cebola picada, antídotos contra o gás lacrimogêneo, enquanto os manifestantes iam em ajuda de seus camaradas feridos.
Embora a saturação da cobertura da mídia internacional em Qalandia e outros pontos principais provavelmente tenha garantido que as forças israelenses se contivessem, em outras áreas mais afastadas do olhar da imprensa foram acusadas de usar táticas de intimidação e desejo de vingança ao tratar com os manifestantes. No dia 13, durante protestos contra o muro que separa a Cisjordânia de Israel, na aldeia de Nabi Saleh, perto de Ramalá, uma lata de gás lacrimogêneo lançada de curta distância acertou a cabeça de um cidadão norte-americano.
O fato parece ter sido um ataque deliberado das forças israelenses. A vítima ficou gravemente ferida e foi levada ao hospital. Segundo o direito israelense, estes recipientes de alta velocidade devem ser disparados para cima, formando um arco, a não menos de 40 metros de distância, devido à sua natureza letal. Nos últimos anos, vários outros cidadãos dos Estados Unidos sofreram danos cerebrais e inclusive com perda de um olho devido a ataques semelhantes. Incontáveis palestinos morreram ou ficaram feridos em incidentes idênticos.
Um ativista israelense que quebrou um braço quando soldados israelenses dispararam contra ele, teve de caminhar vários quilômetros por um terreno íngreme para receber tratamento médico depois que o comandante encarregado de Nabi Saleh impediu a chegada de ambulâncias para evacuar os feridos.
A inteligência israelense havia previsto que no dia 15 haveria distúrbios, mas de modo confidencial assinalou que seriam limitados e não fugiriam ao controle. No entanto, parece ter errado. Os especialistas preveem o começo de uma terceira Intifada (as anteriores foram em 1987 e 2000) para setembro, quando a Autoridade Nacional Palestina apresentar sua cobrança de um Estado independente junto à Organização das Nações Unidas. Envolverde/IPS