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Primavera Árabe alerta diante da oferta de ajuda econômica

Cairo, Egito, 2/6/2011 – Governos e entidades financeiras multilaterais que antes ajudaram os regimes autoritários da Tunísia e do Egito começam a oferecer assistência para acelerar a recuperação econômica e a transição para a democracia nesses países. Os revolucionários árabes têm motivos para serem cautelosos. “Foram dados pouquíssimos detalhes sobre a forma dessa ajuda”, disse Amr Hassanein, presidente da Meris, sócia regional da agência qualificadora de risco Moody’s. “Mas como os pacotes parecem ser generosos, podemos estar certos de que estão sujeitos a condições”, ressaltou.

O Grupo dos Oito (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) países mais poderosos disse, na semana passada, em sua cúpula na localidade francesa de Deauville, que nos próximos três anos os bancos internacionais de desenvolvimento poderão entregar até US$ 20 bilhões para Egito e Tunísia. O financiamento institucional, cujo objetivo é apoiar a transição para a democracia, é o mais recente de uma série de pacotes de ajuda econômica oferecidos às duas nações árabes, cujas economias foram afetadas pelos levantes populares que no começo deste ano derrubaram seus ditadores.

O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial se comprometeram com US$ 4,5 bilhões em empréstimos brandos ao Egito nos próximos 24 meses. Também ofereceram US$ 1,5 bilhão à Tunísia, que tem aproximadamente a oitava parte da população do Egito e um quinto de seu produto interno bruto (PIB). Enquanto isso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu ao Egito US$ 1 bilhão em garantias de empréstimos e uma troca de dívida por US$ 1 bilhão. Vários outros países – entre eles Arábia Saudita, Catar e França – ofereceram seus próprios pacotes de ajuda.

A disposição da comunidade internacional em dar ajuda econômica parece estar motivada pelo desejo filantrópico de alimentar as novas democracias árabes. Porém, as economias alertam que Egito e Tunísia deveriam ler com cuidado as letras pequenas antes de assinar. Os governos e as instituições que dão financiamento, seja sob a forma de empréstimos, concessões ou troca de dívida, invariavelmente buscam maximizar seus lucros, disse Hassanein.

Embora, em princípio, não haja dano implícito sempre e quando as duas partes compreendem e aceitam os termos e as consequências do acordo, a assistência condicionada que agora se oferece pode exigir que Egito e Tunísia imponham políticas e legislação que estejam contra os desejos dos que lideraram seus levantes. “Aceitar ajuda estrangeira sujeita a condições é trair os mártires cujo sangue foi derramado na revolução”, disse o ativista egípcio Mohammad Mansour. “Agradecemos a Obama, mas nos arranjaremos sozinhos”, acrescentou.

Muitos árabes culpam os governos do Ocidente e as instituições de empréstimo por décadas de repressão política e condições econômicas intoleráveis que motivaram suas revoltas. Eles observaram, por exemplo, que Washington desembolsou US$ 2 bilhões por ano em ajuda militar e econômica ao regime do ex-presidente egípcio Hosni Mubarak, e que doadores europeus colaboraram com o temido aparato de segurança do ex-líder tunisiano Zine El-Abidine Ben Ali.

Suas críticas ao Banco Mundial e FMI vão além da percepção de que estas agências usam sua influência em matéria de empréstimos para promover projetos e políticas que canalizam a riqueza para os credores e as grandes corporações. Alguns os acusam de cumplicidade com regimes autoritários por promoverem políticas que ampliam a brecha de renda em benefício de uns poucos. Um exemplo são os opressivos programas de ajuste estrutural do FMI, que segundo os críticos obrigam os governos pobres a privatizarem bens públicos e reduzir o gasto social para pagarem suas dividas.

No caso do Egito, um programa de reforma econômica apoiado pelo FMI, iniciado em 1991, melhorou as políticas monetárias e o manejo fiscal do país, mas suas medidas de austeridade levaram a um elevado desemprego, ampliando a pobreza e mantendo os salários inalterados. O controvertido programa de privatizações foi em boa parte responsável pelas desigualdades econômicas e pelo mal-estar dos trabalhadores que precipitaram a queda do regime. A fuga de capitais e a instabilidade econômica registradas após a queda de Ben Ali e Mubarak deixaram claro que as revoluções têm um alto preço.

No Egito, a revolução custou US$ 3,5 bilhões, principalmente com perdas em seu setor turístico. O ministro das Finanças, Samir Radwan, previu um déficit orçamentário de US$ 31 bilhões (cerca de 11% do PIB) para o ano fiscal que começará em julho, e solicitou ajuda de US$ 12 bilhões para cobri-lo.

O governo interino da Tunísia necessitará de US$ 25 bilhões nos próximos cinco anos. Querem usar o dinheiro para enfrentar o desemprego, estimado em 30% antes que um jovem desesperado se imolasse, disparando o levante popular que acabou derrubando Ben Ali. Apesar das economias afetadas, algumas organizações locais perdem urgência aos seus governos para rejeitarem todas as ofertas de ajuda estrangeira. Temem que os emprestadores internacionais estejam tentando encerrar Egito e Tunísia em estratégias econômicas e alianças políticas de longo prazo antes de terem governos consolidados.

“No Egito houve protestos porque nosso governo interino não está preso a nenhum acordo de empréstimo. O parlamento deveria chegar a um acordo sobre qualquer decisão para instituir empréstimos, e ainda não temos um parlamento”, disse Hassanein. O conselho militar que governo o Egito programou eleições legislativas para setembro e as presidenciais para dois meses mais tarde. A Tunísia fixou suas eleições parlamentares para julho, mas é possível que seja adiada até outubro para ter mais tempo em sua preparação.

Alia El-Mahdi, decana da Faculdade de Economia e Ciências Políticas da Universidade do Cairo, disse que nenhum dos dois países pode se dar ao luxo de esperar até depois das eleições para apoiar suas economias. Fontes de renda importantes, como o turismo, caíram muito, e os investimentos praticamente desapareceram. As reservas de divisas também diminuem rapidamente. Entretanto, ao invés de buscar empréstimo no estrangeiro, El-Mahdi recomenda prestar mais atenção nos orçamentos.

Egito e Tunísia “precisam de injeções de liquidez com urgência, e a solução mais fácil é conseguir um empréstimo”, explicou a economista. “Porém, fariam muito melhor mobilizando seus próprios recursos e reestruturando o orçamento. Os dois países necessitam ser mais cuidadosos em seus gastos, já que este não é momento para desperdiçar dinheiro”, afirmou. Envolverde/IPS