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Primeira Cidade dos Direitos Humanos no Oriente Médio

Cairo, Egito, 25/10/2011 – A Primavera Árabe preparou o caminho para um novo contexto de respeito às liberdades individuais. Agora, ativistas trabalham nas comunidades para lançar a primeira Cidade dos Direitos Humanos no Oriente Médio. O objetivo é conseguir que, em uma cidade determinada da região, moradores e autoridades adotem os direitos humanos como forma de vida e se envolvam em planos e ações positivas para alcançar a justiça social e econômica de toda a comunidade.

O modelo busca garantir que todas as leis, políticas, recursos e relações na localidade respeitem os direitos e a dignidade de seus membros. “Todos na cidade estão em igualdade de condições e, sejam lixeiros ou prefeito, sentam-se à mesa como iguais, buscando coletivamente o que deve ser resolvido com uma perspectiva de direitos humanos”, explicou Robert Kesten, diretor-executivo do Movimento Popular para a Educação em Direitos Humanos (PDHRE), com sede em Nova York.

Os princípios-guia para este modelo de cidade estão consagrados na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, ratificada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. É importante que moradores e autoridades conheçam e sejam capazes de atuar de acordo com os direitos, e que estes se apliquem em todos os níveis dos processos de tomada de decisões e resolução de problemas.

O enfoque comunitário exige uma mudança de modelo. Embora as instituições internacionais sejam comumente responsáveis por promover e proteger os direitos e as liberdades de acordo com os tratados internacionais assinados pelo Estado, em uma Cidade dos Direitos Humanos, grande parte da responsabilidade recai no âmbito local. As autoridades e os moradores se convertem em agentes de mudança.

“Em lugar de nos concentrarmos em um tema ou grupo particular de pessoas, trabalhamos em nível comunitário, nos focando em cada homem, mulher e criança”, explicou Omar Aysha, ativista do Cairo que trabalha na iniciativa. Rosário, na Argentina, converteu-se na primeira Cidade dos Direitos Humanos do mundo, em 1997. Hoje, o modelo é aplicado em 15 cidades da África, América e Europa. O PDHRE iniciou os projetos, mas a maioria foi completada pelas próprias comunidades.

Antes da Primavera Árabe parecia pouco provável que o conceito pudesse ser aplicado no Oriente Médio e norte da África, região onde os regimes autoritários negavam à população direitos políticos, econômicos e sociais básicos. Contudo, os levantes populares que acabaram com os governos de Tunísia, Egito, e agora Líbia, parecem ter aberto uma janela de oportunidades.

“O cenário de fundo destas revoluções está vinculado com a luta pela liberdade e a democracia”, disse Kesten. “O desejo de ser livre é um motor poderoso, por isso quando a Tunísia caiu sabíamos que outros países não estariam longe” de também caírem, acrescentou. Uma demanda fundamental dos manifestantes nos levantes era que os governos prestassem contas aos seus povos.

Tradicionalmente, os governos funcionam como uma pirâmide com o órgão executivo no topo. O objetivo das Cidades dos Direitos Humanos é “inverter a pirâmide e colocar as pessoas acima de tudo, para que possam ser donas de seus próprios direitos”, explicou Kesten. O PDHRE identificou a cidade de Alexandria, no norte do Egito, como a possível primeira Cidade dos Direitos Humanos da região. Foi nesta cidade mediterrânea de quatro milhões de habitantes que a luta pelas liberdades individuais e a justiça social deste país árabe ganhou uma força sem precedentes.

Em junho de 2010, dois oficiais de polícia dessa cidade retiraram à força Khaled Said, de 28 anos, de uma lan house e bateram nele até matá-lo. Quando a foto do jovem morto se tornou pública, provocou uma forte indignação popular, motivando crescentes protestos que, posteriormente, terminaram na derrubada do presidente Hosni Mubarak. O PDHRE espera gerar impulso com base no legado de Said para desenvolver Alexandria como primeira Cidade dos Direitos Humanos do Oriente Médio.

A organização destaca que se trata de uma cidade menor e, portanto, mais acessível do que Cairo. Além disso, é útil sua importância internacional e histórica. O desafio de transformar uma cidade conhecida por sua repressão política e brutalidade policial em um farol para as liberdades individuais exige um novo enfoque. Em agosto, o PDHRE criou os Corpos de Direitos Humanos do Egito, grupo de representantes do governo, do setor privado e da sociedade civil encarregados de “levar a mensagem à comunidade”.

Os integrantes desses Corpos receberam treinamento sobre como personalizar os direitos humanos e introduzi-los na vida diária. Cuidam de levar os valores às famílias, aos locais de trabalho e toda a rede social. “É importante não só que as pessoas conheçam seus direitos, mas que também os integrem em suas vidas”, explicou Aysha, líder dos Corpos. “As lições são esquecidas, a menos que se tornem parte integral de tudo o que se faz”, acrescentou.

Enquanto os regimes autoritários continuam caindo no Oriente Médio e no norte da África, o PDHRE vê a oportunidade de facilitar uma nova compreensão sobre os direitos humanos, passando “da caridade para a dignidade”. A organização trabalha de forma paralela na Tunísia, onde ativistas locais lançaram seus próprios Corpos de Direitos Humanos. E agora, com o fim do regime de Muammar Gadafi, a Líbia pode ser o próximo passo. Envolverde/IPS