Cairo, Egito, 1/11/2011 – Buthaina Kamel, apresentadora de televisão, de 49 anos, é a primeira mulher a disputar a Presidência na história moderna do Egito. Mesmo admitindo que suas possibilidades são mínimas, disse que se candidata por princípios. “Pretendo mostrar ao mundo que o Egito é um país moderno, onde as mulheres têm direito de disputar os mais altos cargos do Estado, o que, como o voto, é um direito humano básico”, disse Kamel à IPS.
O Egito prevê realizar no dia 28 deste mês as primeiras eleições parlamentares desde a queda do regime de Hosni Mubarak em fevereiro, mas a data das presidenciais ainda é incerta. O governo interino, a cargo do Conselho Supremo das Forças Armadas, prometeu realizá-las, no máximo, em 2013.
Após começar sua carreira na rádio estatal, Kamel trabalhou grande parte dos anos 1990 como apresentadora de televisão. Em 2005, depois de um polêmico referendo sobre uma série de reformas constitucionais, entrou para a política. Logo se converteu em fervorosa integrante do movimento democrático Kefaya e se colocando em aberta crítica ao governo de Mubarak. “Participei de numerosas manifestações e marchas, especialmente contra a corrupção oficial”, afirmou.
Kamel destacou que também apoiou desde o começo os protestos que levaram à queda do regime. “Eu estava na Praça Tahrir (epicentro do levante popular) no dia 25 de janeiro, dia em que a revolução começou”, afirmou. Após a saída de Mubarak, voltou a trabalhar na televisão estatal. Porém, disse que foi “marginalizada” por seus superiores devido à sua resistência em limitar-se a ler o texto das notícias.
Desde então, foi interrogada em três ocasiões pelas autoridades militares, a última após ter questionado abertamente o Conselho Supremo. Kamel disse que se inspirou nos ativistas jovens – incluindo várias mulheres – que conheceu no transcurso do levante de 18 dias contra o regime.
“Tenho muita confiança nos jovens do Egito, em sua capacidade de liderar o país no próximo período”, afirmou. “As mulheres tiveram um papel importante na revolução, e muitas caíram como mártires. Agora, esperamos que gozem de um papel mais ativo na política nacional do que tiveram no passado”, acrescentou. A Constituição egípcia de 1956 concedeu às mulheres o direito de voto e de se candidatarem nas eleições nacionais. Entretanto, a participação feminina na política foi mínima durante os 30 anos de governo de Mubarak.
Dados divulgados pelo não governamental Centro do Cairo para o Desenvolvimento indicam que a participação de egípcias nas eleições nacionais entre 1981 e 2010 foi de apenas 5%. No mesmo período, as mulheres ocuparam apenas 2% das cadeiras no parlamento nacional e menos de 5% nos parlamentos municipais.
Embora tenha um enfoque moderno, Kamel não está filiada a nenhum dos muitos partidos liberais que emergiram após a revolução. Prefere apresentar-se como independente, e sua plataforma política se focará em defender “todos os egípcios privados do direito de votar”. “Não me apresento apenas pelas mulheres, mas pelos marginalizados (das regiões do sul) do Alto Egito e de Nubia, pelas tribos beduínas, pelos pobres, idosos e deficientes”, afirmou Kamel, destacando que seu programa político se concentraria principalmente em “combater a corrupção e o desemprego”.
O maior obstáculo que enfrenta é o fato de que neste país de maioria muçulmana, grande parte dos habitantes, tanto homens quanto mulheres, descartam a ideia de ter uma presidenta. Alguns partidos e grupos muçulmanos, especialmente a influente Irmandade Muçulmana, rejeitam completamente a possibilidade por motivos religiosos. Segundo explicou Essam al-Arian, vice-presidente do Partido Justiça e Liberdade, braço político da Irmandade, existem duas escolas de jurisprudência islâmica sobre este assunto.
“Alguns juristas dizem que é permitido ter uma mulher como chefe de Estado, e outros dizem que não. A Irmandade acredita que não”, disse Al-Arian à IPS. “Apoiamos o direito das mulheres à educação, ao emprego e inclusive a integrarem o parlamento ou serem ministras de governo, mas não o de ocupar o cargo de soberano nacional”, destacou. “Contudo, esta é nossa postura, e não a do Estado”, esclareceu.
“Naturalmente, ela tem o direito constitucional, como todos os cidadãos egípcios, de querer disputar a Presidência. Isto significa simplesmente que se a Irmandade prefere não apresentar uma candidata, definitivamente não impedirá que outros setores o façam”, ressaltou Al-Arian. Embora se espere que tenha bons resultados nas próximas eleições parlamentares, o Partido Justiça e Liberdade anunciou que não apresentará um candidato nas eleições presidenciais.
A ativista Esmat al-Merghani, primeira mulher a dirigir uma força política, o Partido Social Livre, elogiou a coragem de Kamel. “A candidatura de Buthaina impulsionará a imagem do Egito como um país moderno e civilizado”, declarou à IPS. “Mesmo não ganhando, já abriu uma nova porta para o avanço das mulheres, sem mencionar que tem a honra de ser a primeira egípcia a se candidatar à Presidência”, acrescentou.
Kamel, por sua vez, está otimista. “Quando converso com as pessoas, mesmo em redutos da tradição como Alto Egito e Delta do Nilo, o fato de ser mulher faz pouca diferença”, assegurou. “O importante é que ouço seus pontos de vista e entendo seus problemas. Estou plenamente consciente da natureza patriarcal da sociedade egípcia. E acredito ser capaz de liderar os mais de 80 milhões de habitantes do país”, acrescentou. Envolverde/IPS