Quatro eventos recentes são exemplos de que a racionalidade que preside o processo civilizatório não está garantida:
1º) O cabo de guerra entre os republicanos e os democratas nos Estados Unidos aumentou a incerteza sobre a qualidade e a funcionalidade da administração da maior economia do mundo. Uma lamentável falta de liderança mostrou maior preocupação com interesses eleitoral-paroquiais, do que com o papel moral e material que se esperava da nação que se pretende o paradigma do regime republicano;
2º) A inacreditável tragédia norueguesa produzida pelas mãos de um demente foi instrumentalizada pela regressão do espírito civilizatório revelada no avanço do extremismo racial e religioso que, um pouco mais, um pouco menos, vem atacando todos os países;
3º) A separação que se aprofunda entre os interesses materiais de longo prazo da China e dos Estados Unidos tem grandes consequências para a estabilidade do Oriente Médio e da Ásia. O exemplo é o apoio dissimulado da China (e da Índia) ao Irã, com a troca física (em acordo de liquidação recíproca) de fornecimento permanente de petróleo – inclusive com a construção de um oleoduto – por bens industriais chineses, o que ilide o “embargo” da ONU (de efeito duvidoso), que tenta impedir a criação de mais uma potência atômica;
4º) O claro aprofundamento dos investimentos militares da China e da Índia. A ênfase da primeira na expansão de sua marinha para o domínio do chamado “Mar da China”, com vistas à busca de recursos naturais, revela que ela (como toda “potência”, particularmente os Estados Unidos) está também à procura das três autonomias: a alimentar (a China já é a maior produtora de alimentos do mundo e, graças à tecnologia que está gerando com rapidez, pode crescer muito mais); a energética (que desenvolve a partir do carvão e agora do gás, eólica e outras tecnologias de ponta); e a militar que ela expande rapidamente.
O desenvolvimento dos países emergentes nos próximos dez anos vai se dar num ambiente de estresse crescente pela disputa de recursos naturais na terra e no mar. Países que, como o Brasil, abdicaram da autonomia “militar”, mas dispõem de recursos naturais, precisam ter esse quadro em mente e insistir na construção de Forças Armadas enxutas, bem treinadas e com adequado poder “dissuasivo”.
Não é exagero dizer que investimentos numa indústria bélica eficiente e competitiva externamente, inclusive a ênfase no domínio da tecnologia atômica, provavelmente mostrarão – em dez anos – uma taxa de retorno social superior à daqueles que hoje ocupam nível mais alto em nossas prioridades. Como disse o ilustre ministro Celso Amorim, “um país pacífico não pode ser confundido com um país desarmado e indefeso”.
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo e professor de Economia, e foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site EcoD.