Bengasi, Líbia, 6/4/2011 – Após um mês e meio de conflitos na Líbia, a situação de muitos prisioneiros políticos e de guerra nos dois lados é incerta, e seus direitos fundamentais estão em risco. Seriam mais de 400 desaparecidos no Leste da Líbia desde o começo da revolução, em 15 de fevereiro, segundo recontagem da Meia Lua Vermelha de Bengasi e da organização Human Rights Watch (HRW). Alguns foram presos nos primeiros dias das revoltas, quando estas ainda eram manifestações pacíficas e os cidadãos líbios ainda não haviam se armado.
A maior parte dos desaparecidos é de prisioneiros de guerra, capturados desde o começo dos combates em março, na frente ou em suas proximidades: são “shabab”, jovens combatentes e demais voluntários, presos quando transportavam suprimentos ou iam e vinham da primeira linha de batalha, na estrada que leva de Bengasi para o Oeste, segundo a Anistia Internacional.
Acredita-se que estão nas mãos das forças de Muammar Gadafi e que teriam sido levados aos redutos do líder líbio, em Sirte e Trípoli, no Norte e Noroeste do país, respectivamente. Os moradores do Leste da Líbia estão acostumados à repressão do regime, que castiga especialmente esta região do país: cada bengasi tem um familiar ou amigo que sofreu as práticas do “Aman el Daula” (segurança interna), a política dos regimes árabes.
Por isso as famílias dos desaparecidos e as ONGs que trabalham na área dizem que estes correm grande risco de seus direitos básicos serem violados. Além disso, não há canais de comunicação para negociar a libertação desses presos (entre eles pessoal médico e jornalistas), fazer um acompanhamento de sua situação ou apenas conhecer seu paradeiro, já que a maior parte é, oficialmente, de desaparecidos.
Os rebeldes também fazem prisioneiros políticos e de guerra, embora não existam números de detidos desde o começo do conflito: várias dezenas, talvez centenas, embora a grande maioria tenha sido libertada. São os chamados mercenários de Gadafi, suspeitos de lutar pelo líder líbio por dinheiro, procedentes de países da África subsaariana e perseguidos nas áreas controladas pelos rebeldes, muitas vezes injustamente.
Quando a rebelião se impôs no Leste, muitos imigrantes subsaarianos residentes e trabalhadores na Líbia foram detidos, alguns atacados e inclusive linchados nas localidades mais a Leste do país. Nas últimas duas semanas, nas quais rebeldes e forças de Gadafi disputaram o território entre Ajdabiya e Ras Lanuf no Mar Mediterrâneo, o exército revolucionário também capturou combatentes líbios, sobretudo durante o assalto governamental a Bengasi.
Deles pouco se sabe e seus casos são os mais complicados, disse à IPS a pesquisadora da Anistia, Donatella Rovera. As autoridades rebeldes garantem que com esses prisioneiros de guerra se segue de forma “rígida” o procedimento legal, de acordo com os padrões internacionais, segundo Issam Gheriani, porta-voz do Conselho Nacional Transitório, que atua como governo interino com sede em Bengasi.
Gheriani disse à IPS que os presos serão investigados e julgados, mas o problema é que a justiça praticamente inexiste após quase 42 anos de ditadura. “Agora mesmo não há nada, não há instituições, e as poucas existentes talvez não estejam capacitadas para realizar essa tarefa”, disse Rovera. Inclusive, Gheriani admitiu que as novas autoridades não têm experiência e por isso cometem erros no tratamento destes prisioneiros.
O principal erro foi exibi-los à imprensa internacional, apresentando-os como mercenários, esquecendo a presunção de inocência e assim pondo em perigo suas vidas e as de seus familiares, alguns dos quais vivem em áreas sob controle de Gadafi onde poderiam sofrer represálias, explicou à IPS o diretor da divisão de emergências da HRW, Peter Bouckaert. O ativista tem trabalhado na Líbia para evitar que isso ocorra, apelando também para a ética dos meios de comunicação.
Além disso, os direitos destes prisioneiros são respeitados, segundo a pesquisadora da Anistia, a qual assegura que o governo rebelde está preocupado em salvaguardar sua integridade e os mantém em lugares “secretos” para evitar incidentes devido à ira popular. Não há registro de tortura ou abusos, disse Rovera, que pôde comprovar sua situação. “Poderemos odiá-los, mas não podemos negar-lhes seus direitos humanos básicos”, esquecidos, no entanto, em muitas ocasiões pela inexperiência e euforia revolucionária, admitiu Gheriani.
Os “murtazaka”, ou mercenários, se converteram no inimigo público dos rebeldes, na encarnação de todos os males e da crueldade do regime, e no recurso mais fácil. “Sempre é mais simples pensar que os que causam danos não são seus próprios irmãos”, disse Rovera. Isso explicaria a desinformação e o sigilo que cerca os presos líbios, tanto soldados como civis fieis ao regime que, por exemplo, em Bengasi, são procurados, detidos e entregues ao Conselho Nacional Transitório. Seu número, sua identidade e seu destino são incertos. Envolverde/IPS