Daqui a alguns anos é possível que andar curvado, se configure em um problema de saúde pública. Cada vez mais as pessoas fazem praticamente tudo com a cabeça para baixo, olhando o tempo todo para o que acontece online nas redes sociais.
Aquele aparelho que um dia foi inventado para proporcionar mobilidade de telefonia, hoje se transformou em uma muleta sem a qual muita gente não consegue fazer nada se estiver desconectado.
Outro dia acompanhei os movimentos de uma jovem no Metrô. Dentro do vagão, por pelo menos quatro estações, ela permaneceu com olhos fixos na telinha, dedilhando velozmente e interagindo com os seus amigos no Facebook.
Descemos no mesmo lugar. Ela saiu do trem, caminhou cerca de 20 metros, passou pela catraca, subiu as escadas rolantes e foi em direção à saída; tudo sem erguer a cabeça nem olhar para frente, para os lados; nem sequer deu uma viradinha sutil no pescoço para checar se havia alguém ao seu redor.
Como essa garota que aparentava vinte e poucos anos, milhares de jovens e adultos repetem essa mesma atitude a todo o momento. É como se o mundo e a vida acontecessem dentro do aparelho celular e não fora.
Considero importantes esses avanços tecnológicos que alteraram radicalmente a maneira como nos comunicamos e nos relacionamos. Desconfio, contudo, que essa modalidade de “conversa” não deva substituir o contato direto, ao vivo, face to face.
Se por um lado nos sentimos próximos a milhares de “amigos” das redes sociais, menos disponíveis somos para nutrir e cultivar as amizades reais; conhecer alguém de surpresa, que acabamos de encontrar na calçada ou sorrir e se apresentar para um jovem simpático, no ônibus, que ofereceu o colo para apoiar a bolsa da trabalhadora no seu retorno para casa.
O Facebook é uma ferramenta de comunicação poderosa, mas nesse ritmo, talvez tenhamos que pintar os pisos das calçadas com paisagens que imitem as situações de verdade, e criar postos de alongamento, que funcionarão como medida preventiva para exercitar a retidão do pescoço, e por alguns segundos, experimentar olhar para frente. Por aqui, fico. Até a próxima.
* Leno F. Silva escreve semanalmente para Envolverde. É sócio-diretor da LENOorb – Negócios para um mundo em transformação e conselheiro do Museu Afro Brasil. É diretor do IBD – Instituto Brasileiro da Diversidade, membro-fundador da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, e da Kultafro – rede de empreendedores, artistas e produtores de cultura negra. Foi diretor executivo de sustentabilidade da ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. Editou 60 Impressões da Terça, 2003, Editora Porto Calendário e 93 Impressões da Terça, 2005, Editora Peirópolis, livros de crônicas.