Para evoluirmos, precisamos periodicamente rever conceitos e quebrar paradigmas.
Até bem pouco tempo, havia na sociedade, refletida na própria legislação ambiental brasileira, uma visão de que a vegetação nativa a ser protegida restringia-se basicamente às florestas (códigos florestais, leis florestais, etc.). Era como se os campos não existissem. Esta percepção vem mudando e a Lei 11.428/06 da Mata Atlântica, ao prever expressamente a proteção, por exemplo, dos campos de altitude, comprova isto.
Tal mudança decorre do acúmulo de conhecimento científico, que tem demonstrado a riqueza e a importância da biodiversidade dos campos nativos para diversos fins socioeconômicos: pastoreio, manutenção de aquíferos e cursos d’água, armazenamento de carbono, entre outros.
Mas e quanto ao Pampa? A região do Pampa gaúcho só foi reconhecida como um bioma nacional em 2004, agregando-se desde então aos demais biomas continentais brasileiros: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. É o único bioma situado inteiramente em um Estado, onde ocupa cerca de 63% do território. Nos últimos anos ganhou certa visibilidade graças à polêmica envolvendo a implantação de grandes projetos de silvicultura na Metade Sul.
Em que pese o recente reconhecimento oficial, levantamento do Ibama mostra que só restam 36% da área de vegetação original do Pampa em virtude de sua supressão para fins principalmente agrícolas. Oportuno perguntar: como assegurar a conservação do que restou? Papel fundamental tem a pecuária sobre campo nativo, vocação natural e atividade tradicional da região.
Já houve o tempo em que se imaginava que a conservação dos campos só poderia ser alcançada cercando-se áreas e isolando-as de qualquer tipo de uso. Engano. Pesquisas têm demonstrado a plena compatibilidade da pecuária no Pampa com a conservação dos campos nativos, inclusive com aumentos substanciais de produtividade e lucro para o próprio produtor rural. Um exemplo de que a conservação ambiental, longe de ser um entrave ao desenvolvimento, pode alavancá-lo!
Não por outro motivo, o Ibama-RS coordenou a elaboração, juntamente com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Embrapa Pecuária Sul e ICMBio, de uma proposta de diretrizes e critérios para o uso pecuário sustentável das áreas de reserva legal do Pampa. E tem procurado criar canais de diálogo com o setor produtivo e outros setores governamentais e não governamentais com vistas a incentivar esta atividade no bioma, evitando a conversão dos campos nativos para outros usos.
Em tempos de acaloradas e radicalizadas discussões, o exemplo da pecuária no Pampa mostra que rever conceitos e quebrar paradigmas, associado a uma sólida base técnica e uma pitada de bom senso, pode fazer toda a diferença na inevitável conciliação entre produção e meio ambiente.
* Marcelo Machado Madeira é analista ambiental da Divisão Técnica do Ibama-RS.
** Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.